RESGATE DO MANUEL

O bando de Jacinto tinha a missão de andar atrás de Manuel. Este estava confinado a um espaço curto e denso que cobria a pouca atmosfera envolvente, dificultando a penetração da luz solar.

A impressão que tinha é que os dias eram ali passados, numa acentuada atmosfera de escuridão. Embora não tivesse a liberdade de se movimentar à vontade pelo Umbral, uma vez que Jacinto mandava espíritos maldosos, transfigurados de criaturas horrendas, com o intuito de o intimidar, amedrontar e maltratar.

Nos primeiros tempos esteve sujeito às mais incríveis maldades que eram, também, aumentadas por acções de espíritos que lhe amandavam pedras, lama, excrementos, paus e muitos outros objectos.

Manuel tinha sempre pequenos grupos que circulavam em bando, preparados para o escravizar e que o comandava a chicote por pequenos pântanos, florestas e abismos, sempre em ambientes sujos, fedorentos e com ar pesado e sufocante.

Manuel estava num estado miserável! Aquele ambiente era depressivo e angustiante. Para o castigar ainda mais, Jacinto deu ordens para o levarem a locais onde havia animais e aves que, ao mando dos seus carrascos, o mordiam e picavam ferozmente.

Jacinto tinha adquirido o posto de Governador e tinha um poder grandioso de mandar administrar o mal àqueles que se atrevessem a contrariá-lo ou que, noutras vidas anteriores, se tivessem metido no seu caminho. Os pequenos grupos que criou para administrarem o mal que planeou para o Manuel tinham que lhe passar um relatório diário dos seus maus-tratos e, por diversas vezes, se indispôs com vários elementos sobre os planos traçados. A ordem era para que, todos os dias, se praticassem as mais severas atrocidades ao Manuel. A maioria dos seus subordinados estava deliciada com esta colaboração a Jacinto, pois assim ganhavam mais poder e status. De todos esses elementos só dois foram mais brandos na administração das ordens de Jacinto. O castigo por terem desobedecido foi o de terem sido transferidos para um local, energizado num ambiente constante de medo por Jacinto que era implacável no governo daquele local.

O sofrimento de Manuel fez-lhe ver que estava ali por culpa própria e que também ali lhe era possível apelar à lei do livre arbítrio. A lei do retorno tinha-o mandado até àquele local mas agora tinha alguma certeza, que havia hipótese de trabalhar no pensamento do bem. Aquele sofrimento tinha que se converter na libertação do bem e de alguma possibilidade de felicidade. Aquele espaço horrível tinha-lhe dado algumas lições e a mais viva era que aquele tempo estava a servir-lhe como uma escola de amor, fabricado a partir da dor.

Essa consciência que, a pouco e pouco, o reforçou dava-lhe pensamentos que passavam pela possibilidade e vontade de ser resgatado dali. O seu coração já há algum tempo que tinha adquirido a vibração de presenciar dois grupos excursionistas que visitavam diariamente o Umbral e que todos os elementos pertenciam a grupos missionários socorristas, dispostos a socorrerem todos os espíritos que lhe pediam auxílio.

Manuel apercebeu-se que nenhum desses trabalhadores se dirigia voluntariamente a ninguém. Aliás eles até eram invisíveis aos olhos de muitos dos espíritos que deambulavam por ali. Só quando um espírito sentia, de verdade, que queria ser ajudado, depois de se ter arrependido dos seus actos, é que estava em condições de observar o trabalho deste grupo de socorristas.

Manuel queria ser resgatado. Tinha consciência que a sua missão na terra não foi cumprida e esperava uma nova oportunidade de que originasse uma nova encarnação, nova oportunidade para a evolução do seu espírito.

Agora havia que sair dali, encontrar um grupo de missionários que aceitasse levá-lo para o pronto-socorro do Umbral. Estava envergonhado com os seus crimes, como também com o seu aspecto sujo, uma barba enorme, unhas muito grandes, cabelo com um sebo horrível, grandes feridas no corpo, roupa suja e esfarrapada. Enfim, estava num estado lastimoso!...

Já há algum tempo que observava os dois grupos de missionários que diariamente passavam por ali, um deslocando os seus elementos em cima de cavalos e o outro transportados por um autocarro. No grupo do autocarro despertou-lhe a atenção uma senhora de meia-idade, com um sorriso e uma gestualidade que o cativava. Um dia teve coragem e dirigiu-se a esse grupo:

- Por favor, amigos, ajudem-me por amor de Deus. Gostava de saber se posso ser resgatado por vós e o que tenho que fazer para que isso aconteça?

Lurdes, líder daquele grupo, dirigiu-se a Manuel e perguntou-lhe: - Se estiveres mesmo arrependido de tudo o que fizeste na terra contra as leis de Deus, então aí poderemos levar-te connosco.

- Sim, estou mesmo arrependido e gostava de ter uma nova oportunidade, porque agora, conscientemente, não aguento mais ficar aqui. Só tenho medo que o Jacinto, o Governador deste local, não me deixe sair, porque me tem como escravo desde que cheguei aqui.

- O mais importante e fundamental é que estejas mesmo arrependido. A responsabilidade de tudo é tua e como a tua fé te pede outra vivência não te preocupes com o Jacinto. Nós temos condições de te tirar daqui, sem a interferência dele. Dá-me cá a tua mão. Agarra-te a mim que este sofrimento vai ficar agora só no campo da memória. Agora é tempo de amar e de outras oportunidades.

- Obrigado, irmã. Ensine-me a amar que há muito que eu esqueci esse sentimento, se é que algum dia ele habitou em mim.

Manuel foi encaminhado ao autocarro do grupo e daí a pouco já estava no hospital pronto-socorro do Umbral. Quando lá chegou a primeira coisa que lhe fizeram foi um exame geral que atestava o que era necessário fazer a seguir.