NO PRONTO-SOCORRO

- Será que aqui estou bem, irmã? O Jacinto não mandará aqui alguém para me fazer mal?

- Não meu filho. Nós não deixamos que entrem aqui esses espíritos. Este espaço está protegido: - tem os guardiões próprios e além disso a sua construção e estrutura eléctrica foi feita para evitar que isso aconteça. Agora, meu filho, só tens que te preocupar um pouco mais contigo próprio. Elevares os teus pensamentos; arrependeres-te de todo o mal que fizeste na terra. Deixares que o teu coração actue como um coração bondoso e te dê os conselhos que tanto precisas, começando por pensares o que gostarias que fosse a tua vida daqui para a frente.

- Eu estou muito confuso. A minha cabeça está a raciocinar com muita preocupação e dúvida. Não me consigo esquecer daquilo que fiz nesta última vida. O mal que lá em baixo propaguei com a energia da crueldade.

- Compreendo que estejas assim. Cada um de nós que está aqui neste pronto-socorro, também tem as suas histórias e algumas delas até mais horrorosas que a tua. O que conta é o arrependimento e a fé que imprimimos depois em tudo o que vem a seguir. O arrependimento já tu o tens, meu filho. Bem me lembro do desespero com que pediste para te tirarem daquele lugar. Esqueces-te que eu também ia naquele grupo de resgate? Quando chegamos junto de ti, pude constatar o choro sentido da súplica do perdão e arrependimento. Nessa altura olhaste para mim, bem no fundo dos meus olhos, estendendo-me a mão e disseste-me assim: - Por favor, leve-me consigo. Atenda ao meu pedido, como se eu fosse seu verdadeiro filho. Chorei ao pegar-te na mão e, desde esse dia, também eu tenho, uma vontade especial em que tu te encontres de verdade e procures saber, no teu íntimo, o que deves fazer a seguir.

- Minha querida irmã, como lhe estou agradecido!... Oh, quanto... Foi tão doloroso o tempo que passei naquele Vale... O quanto eu me arrependo! O quanto desejei que nascesse outra vez para evitar que tal viesse a repetir-se. Chorei tanto..., tanto, naquelas noites e dias que nem sei onde fui arranjar tantas lágrimas para verter. Quando aqueles irmãos me perseguiam a todo o momento, eu só pensava: - Eu mereço isto. Fui eu que contribui para que isso me acontecesse. Foram as minhas acções que criaram toda aquela crueldade imprimida em mim. No início tive muita revolta e ódio por todos aqueles irmãos, a começar por Jacinto. Depois fui, a pouco e pouco, aprendendo a converter o ódio em perdão e depois em amor e depois sempre que o Jacinto me mandava castigar eu recebia esses maus-tratos com amor no coração e o desejo que ele me perdoasse. As minhas lágrimas não eram pelos castigos insuflados em mim, mas do remorso de todo o mal que fiz na terra, nomeadamente com a morte de Jacinto e, depois, a violação de Márcia. Foram esses e outros actos que se projectavam na minha mente que eu me apercebi o quanto eu fui bárbaro.

- Manuel agora era melhor frequentares as aulas do Pai Serafim que te ajudarão a conhecer melhor a estrutura da espiritualidade e a te dar as forças necessárias à tua nova caminhada e, talvez aí, consigas descobrir ou lembrar o que o teu coração te pede na próxima vida na terra.

- Sim…, e o que eu mais desejo: - uma nova oportunidade que me dê a hipótese de anular o vício do sexo e a não ter pensamentos que me levem a tirar a vida a outros irmãos.

- Sabes que na terra há espíritos bons que nunca te abandonaram, quando vivias desesperadamente no Vale dos Suicidas a pedir auxílio. Num Centro Espírita, em Portugal, localizado na cidade do Porto, dirigido pela nossa Irmã Márcia, foram várias as sessões em que intercederam a teu favor, mandando-te boas energias e vontades sinceras de restabelecimento e resgate. Nesse grupo, para além da Irmã Márcia trabalharam outros médiuns como a Luísa, o Liam e a pequena Beatriz.

- Como Deus é grande e misericordioso! A família que eu tanto prejudiquei a pensar em mim dessa forma. A Beatriz a quem eu destruí os laços maternais. Como me envergonho desse acto!.... Deus é tão bom que até perdoa a filhos como eu.

- Tens presenciado à tua volta e no teu coração que Deus não julga. Não tem um manual de castigos determinados para a tipologia de cada um dos nossos actos. Somos nós que nos castigamos com a consciência daquilo que fizemos. Mas, o que conta é o sincero arrependimento e a fé e determinação do trabalho que imprimimos a seguir. Estes irmãos da terra também não te julgaram. Já atingiram uma compreensão e evolução que não passa por esse tipo de atitudes. O que eles queriam e se sentem felizes por isso é que tu acordaste para uma nova vida e estás determinado a ir em frente com muito mais humanismo e espiritualidade.

- Penso não desfraldar ninguém na próxima encarnação. Nesta última vida vivi no sei de tudo o que é mau. Vi o quanto é nefasta a vida que passa por esses ambientes. Penso que estou preparado para me acautelar desses locais, a fim de evitar outros males maiores.

- Espero bem que sim, Irmão Manuel. Sabes que é o que mais desejamos. Houve muita gente a acreditar em ti e a trabalhar em conjunto para te tirar daquele local: - O meu grupo de resgate que é comandado pelo Irmão André e, na terra o Centro liderado pela Irmã Márcia.

- O quanto eu gostava de agradecer a todos estes irmãos! É possível?

- Com o Irmão André isso vai acontecer muito brevemente, quando passares por todo o processo de transformação e estudo que tens que ter aqui, obviamente depois de decidires o que pensas fazer na próxima vida.

- Irmã, desde que iniciámos esta conversa que há uma ideia que não me sai da memória. Gostava de voltar à terra como filho de Liam e de Luísa. É um lar onde existe muito amor, responsabilidade, respeito e dignidade pela vida e por tudo o que os cerca. Uma infância num lar como esse fortalecia-me para aquilo que desejo a seguir, e que era ser um padre católico, mas para trabalhar um sacerdócio à imagem de Jesus Cristo. Gostava que a minha igreja tivesse esse carisma. Que recebesse toda a gente, como verdadeiros seres humanos, sem julgamento ou descriminação: - pobres, oprimidos, drogados, prostitutas, doentes mentais, enfim, todo aquele que precisasse de ser ajudado ou que andasse à procura de um caminho que o levasse à libertação e felicidade. Era esse tipo de trabalho que adoraria fazer, onde houvesse também lugar para a cura, quer física, quer de outra ordem. Acha que é utópico o que lhe estou a dizer?

- Irmão Manuel, como estou contente por tudo o que me acaba de dizer! Claro que não é utópico… Tudo é realizável no mundo de Deus, basta que os seus filhos o desejem de verdade e o sintam no seu coração e espírito. Acordaste para o trabalho que vem a seguir. Sim, Irmão Manuel, era isso que estava determinado a acontecer, mas como sempre se aceita o livre arbítrio, estávamos confiantes que tu irias sentir por ti o chamamento que te espera na próxima vida.

- Que bom! Obrigado por me ouvir e me dar força…

- Eu é que agradeço, Irmão Manuel, por ser parte do grupo que vai mandar à terra uma criança que revolucionará os hábitos actuais, embora te espere muito sofrimento. Agora vamos lá tratar rapidamente da fase de adaptação e estudo que tens que ter aqui, antes de te levar para o plano onde está o Irmão André, que comandará os trabalhos de preparação para a próxima encarnação.