Uma casa bem-assombrada

Por mais que procurasse evitar

sempre morei em casas bem-assombradas

por fantasmas de Hollywood

desde minha infância...

Cresci vendo em preto e branco e a cores,

todos os mitos andarem pela sala

entre um e outro ponto do tricô

que minha mãe fazia... enquanto "interpretava"

os seus papéis.

Inacreditável, mas até as trilhas

ela cantarolava... pra sentirmos o clima

com mais emoção...

E descrevia com tais minúcias,

que mais tarde, ao assistí-los,

não consegui dissociar Greta Garbo

das descrições que ela fazia.

E, quando límpavamos a casa...

O Clark... (ele mesmo, o Gable!) sorria irônicamente

da poeira em nossos cabelos..

E o Humphrey Bogart, espiava do lado de fora

com seu misterioso olhar.

Enquanto a Vivian (Leigh) comandava

toda a operação, sem desfazer-se

de seu espartilho e seus babados...

Enfim,um infindável número de mitos

transitava naquele mundo restrito...

Misturando seus personagens

desde o café da manhã..até a noite.

Às vezes desapareciam por uns dias...

até que os reencontrávamos dentro do guarda-roupa

ou atrás do pote de feijão na última prateleira.

Numa frase solta... numa deixa... numa melodia.

E, com o tempo, chegavam os nossos mitos adolescentes

rebeldes sem causa... cultuados,em fotos e posters...

paixões utópicas provocando disputas... sérias e reais.

Aumentando ainda mais a superpopulação de nossa casa

Mas, o que ainda fazia a diferença entre o novo e o antigo,

eram as palavras... poderosas palavras de minha mãe.

Delineando traços, trajes, ambientes,expressões... dramas...

Deixando que nossa imaginação construísse cenas,imagens

e até vozes... roucas, suaves..sensuais...

E, tudo embalado pelas trilhas, improvisadas...

às vezes num fraco assobio.

É por tudo isso que ainda levo comigo, seja aonde for,

uma casa bem-assombrada.

Só imagino que não deve ser a única por aí...

(escrito em novembro/2009)

Mareluz
Enviado por Mareluz em 11/11/2012
Reeditado em 11/11/2012
Código do texto: T3980177
Classificação de conteúdo: seguro