[O Tempo do Desejo é Quando]

Ao mesmo tempo em que dirigia o seu carro, ela soltava uma das mãos do volante, levava o cigarro aos lábios, e o sugava com uma intensidade incompreensível para mim — por que, o que haveria de tão prazeroso nessa coisa com uma brasa viva na extremidade... uma viagem, uma ansiosa sugestão... mas de quê... ou nada?!

Ao mesmo tempo em que ela aumentava um pouco mais o volume do CD, ela me falava de sua admiração por Billie Holiday, da magia noturna do blues, da pulsação louca da vida nos bares... E sem me dar tempo de responder, ela cantarolava, em ótimo inglês, trechos da música...

“I’m a fool to want you

To want a love that can’t be true

A love that’s there for others too”

... ...

Também, o que eu poderia falar... se estava consumido, perdido de lúbrica imaginação, enquanto observava os detalhes do seus pés, calçados com aquelas sensuais sandálias rasteiras... Eu olhava, com a boca seca, o modo como os seus dedos se espalhavam quando ela apertava o pedal do freio... mal ouvia o que ela me falava.

Com a atenção consumida naqueles movimentos, eu imaginava... O que aconteceria se ela passeasse aqueles pés sobre o meu peito, sobre o meu corpo nu? Aonde eu iria parar!? Será que, trilhado por esses pés macios, o meu corpo até levitaria sobre a cama? E se ela pusesse aquela curva do pé onde a sandália mal toca, de leve, sobre os meus lábios?!

O trânsito parou, e de súbito, ela me olhou,

— “Carlos, Carlos! Onde você está?! Ouviu o que eu disse sobre a música da Billie?”

— Música... ah, desculpe-me, eu estava distraído...

— “Puxa vida, eu sozinha num mundo, e você noutro!”

— Não... eu estava sim, numa certa região do seu mundo!

Ela já havia percebido o objeto da demora dos meus olhos. Com um olhar cúmplice, ela deu uma rápida olhada para os seus pés, e apenas sorriu... Flagrou-me! O trânsito andou, e eu gostei de não precisar lhe dizer qual era a região dela que me atraiu tanto... Nem precisava mesmo: as mulheres têm olhos furtivos que veem tudo... antes! Quando a gente cuida que não, elas já nos descobriram!

E depois... uma espera? Não, nada de esperas; pois o Tempo do Desejo é quando, e se mata se tiver de esperar! Esse tempo é só quando... duas ou três quadras adiante, ela para o carro, e o nosso quando acontece inteiro...

[O que mais eu não disse a ela:

eu sou louco por te querer... tanto!]

[Penas do Desterro, 28 de julho de 2011]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 12/11/2012
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