Tragicomédia do amar

Ao longo desses dias,

desde o início dos tempos,

o amor andou por aí,

sufocado por vaidade.

Subiu as serras,

cruzou os rios,

cometeu desvarios pela beleza.

A beleza andou por aí,

a passos largos, na certeza do flerte

e quis ela comer do fruto verde,

sem o esplendor da madureza.

A beleza passou mal

e provou o veneno letal da paixão.

A paixão andou por aí,

arrasando povoados,

destronando coroados,

abalando a fortuna dos nobres.

Ricos e pobres se uniram

na travessia febril dos prazeres.

Os limites e o impossível

foram prorrogados por sua culpa,

por culpa da desgarrada sedução.

A sedução andou, andou...

E finalmente tramou,

armou a cilada para o coração petrificado.

Rachou a geleira,

propagou sutil tremedeira.

Fez brotar o calor

e a luz inundou os ventrículos,

jorrou da aorta para o cérebro,

tornando-o inquilino da razão.

A razão andou...

Caiu.

E como bebê de colo chorou,

sem entender a vertigem momentânea,

depressa rogou à prudente conterrânea:

- Sabedoria, o que fazer agora?

A sabedoria pensou, pensou.

Por instantes meditou,

prescreveu a medicação:

- Tome dois comprimidos de indiferença

a cada doze horas.

Deu-lhe também, extensa lista de ervas

para fortalecer as reservas de anticorpos.

A razão, tão ansiosa ficou

que tomou em dobro todo o remédio.

- Laudo do médico-legista -

Óbito por overdose de tédio.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 02/03/2007
Código do texto: T398365
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