Vou doar sangue

Às vezes nos encontramos na praia da existência, não pra pegar uma cor, tampouco, nadar; a alma decide ir pra janela ver o balanço das ondas; contemplar a vastidão do mar...

Vê barcos que singram distantes, alheios ao que sangramos bem perto; ouve conselheiros que oferecem o ombro, superficiais como protetor solar; gente que presume a pesca submarina mesmo sem mergulhar...

Os salva-vidas cuidam só dos banhistas; quem está fora parece seguro; quem poderia salvar ao que se afoga em mágoas brinca alheia de fazer castelos de areia... o sol indiferente faz seu Cooper matinal, precisa manter a forma; possa ao largo da água com sal...

As areias das dúvidas nas reentrâncias da alma demandam uma ducha de realidade; mas, a água é tão fria que a gente protela sob a capa dos devaneios; com as penas da ilusão espana a ela...

Vendedores de bugigangas pra lá e pra cá; acreditam trazer barato o que carecemos; mas, tem coisas que se não pode comprar, valem muito; por isso, só de graça as teremos...

Surfistas flutuam a esperar pelas ondas, no dorso das quais cavalgam sua adrenalina; fazem do vento e das correntes marinhas, os deuses do seu culto, senhores de sua sina...

Outros se escondem à sombra dos penhascos, pra tontear suas agruras com fumaça; como apicultor entorpece a colmeia, para extrair o precioso licor; fazem isso com as próprias ideias, pois da realidade sentem pavor...

O alívio circunstancial dessa chave que abre a cela do desespero é só um banho de sol, no átrio da voluntária prisão... depois seguem os infelizes prisioneiros dormir crus em catres de chão...

A fumaça do desengano também tonteia; conduz ao largo da vida dura; mas, extrai o que de melhor tem na veia; dor e poesia pegados qual muro e hera; poeta sofredor é um doador universal, e é grande a fila de espera...