Reticências

Ao pensar sobre este texto apenas me ocorreu dissertar sobre a importância informal e cotidiana dos sinais de pontuação. Porém, não dentro da gramática, mas dentro de nós mesmos. Ler uma mensagem de felicitações pelo começo de um novo ano colocou-me a refletir, instintivamente, sobre como aquela mensagem se encerrou: com as "reticências".

Imediatamente todos os demais pontos de nossa gramática saltaram em minha mente querendo falar um pouco de si. Deixei-os tomar vida. Comecei a pensar em cada um com sua singular importância pra mim, e um fantasioso mundo surgiu.

A “vírgula” parece-me ser aquela inocente e precisa parada na conversa. No bate papo entre amigos é a hora do gole no café. Entre os namorados o selinho roubado. Pode também vir em forma de um suspiro, é uma pausa para não falar o que não se deve ou uma estratégia para se criar coragem de dizer o que há tempos está guardado.

Corra! O “ponto final” está por perto. Este sim é arrogante e determinado. Encerra todas as possibilidades de pensamento de forma arrojada. Não deixa dúvidas, não espera por nada. Planeja e faz. Vai e não volta. Pensa, fala e segue determinante até o fim. Pode ser interrompido por outro ponto que quer sempre mais, o “ponto e vírgula”.

Não dá uma simples parada como a “vírgula” e nem encerra todas as possibilidades como o “ponto final”. Abre margem para visão que estava oculta e à palavra que não foi dita. E quando se credita não precisar de mais explicações, entra em cena aquele que irá sanar de vez todas as dúvidas. Pois ele é questionador, gosta de sugar todos seus pensamentos com suas intermináveis perguntas. Por que? Pra que? E ai? O que vamos fazer?

A “interrogação” é necessária para si entender. Para compreender é preciso buscar e se questionar. É quando atingi-se o mais profundo dos “eus”. Varre os cantos escondidos e inexplorados. É um avassalador de seres. Pode ser que nunca mais voltemos a ser quem éramos depois de usá-lo. Ele te obrigará a parar tudo e se questionar.

Mas somente a “exclamação” terá o poder de dizer: “é isto!” Determinada a fechar com vigor. É pura garra e sorrisos. Quando nos deparamos com ela não há a menor possibilidade de voltar atrás. “Sim, você pode!” É isto que ela lhe diz.

Mas o ponto que me encanta, o qual me levou a toda esta reflexão, são as “reticências”. Elas são um mundo de possibilidades que podemos construir aos poucos, sem pressa. E se tivermos pressa elas inevitavelmente nos dirão: “Ei, ainda não acabou...” Elas representam aquele momento em que não se precisa usar palavras. É o momento em que a mente vagueia e se vive além dos muros. Elas podem até dar entender algo, mas não necessariamente o óbvio. Quando respondidas com outras reticências tudo fica mais divertido e misterioso. Abrem-se as portas que estavam trancadas e as janelas da imaginação se escancaram rumo ao infinito. É exatamente o que elas representam na matemática da vida. A possibilidade de prolongar, inimaginavelmente, suas possibilidades. É o se jogar em um mergulho profundo onde não se consegue encostar os pés no chão, e mesmo assim gostar.

Sim, este ponto me preenche com exatidão. Não me coloca entre aspas e tão pouco entre parenteses. Não me cerca, nem me prende. Ele me deixa livre para ser como sou ou como ainda quero ser. Me dá a liberdade de escolha por um caminho com apenas três pontinhos. Pontos que não representam obstáculos que preciso vencer para chegar a algum lugar, são pequenas pontes para finalmente me encontrar.