Confissões: 2ª Parte

Fique a vontade Solidão, pode continuar fumando o seu cigarro. O quê? Não, eu não vejo verdade alguma, porque nunca houve verdade alguma para ser vista. E pare de repetir que você me entende, porque eu mesmo já desisti de tentar me entender neste campo de batalha de achismos que é a mente humana. Estamos todos condenados a viver essa chama morta que chamamos de Vida? Até o suicídio é um dos bilhetes que a Vida pode te vender por um bom preço. Não estou decepcionada com nada e nem com ninguém, pois não espero que seja irradiada nenhum tipo de luminosidade neste mundo que foi abortado pela escuridão.

Perdi meu filho no instante que lancei-o neste planeta inóspito e isento de evolucionismos criacionistas. Inútil é buscar a resposta sobre quem se é, afinal sempre haverá uma outra possibilidade, uma outra rua, uma outra placa com outro anúncio, e a secular velha dúvida cujo fogo jamais se apaga em nós. Não me fale Sobre Deus, porque Deus não é o término de nosso sofrimento; Deus não é a resposta, Deus sempre é a vulcânica e latente Interrogação que não vale a pena advogar e nem blasfemar. Culpo eu a Deus? De forma nenhuma Solidão, Deus é quem Ele é_ inocente tanto de sua existência quanto de sua autoficção. Meus olhos doem, lacrimejam, e fecho os olhos contudo nem mesmo o nada desaparece de mim. Sinto-me vulnerável agora: preciso gritar os gritos que permanecem nauseando a minha alma turbulenta. Tranco-me dentro de mim, e nem mesmo assim consigo ficar sozinha. Sempre há algum rosto meio informe de alguma emoção ou alguma objetividade quando busco o silêncio marítimo e pleno de ti ó Solidão.

Eu não sei como me arranhei; eu não sei porque sou infeliz; eu não sei porque eu devo ter ou inventar opiniões sobre tudo na vida; eu não sei se quero a dor de amar alguém ou o sadomasoquismo nirvânico de minha misantropia; eu não sei porque eu magoei tanto quem amei, e tudo isso é mentira, porque eu sei um pouco sim sobre os porquês desse “eu não sei”.

Eu não estou bem. Sei que não estou bem. Ninguém está bem. Tudo se se reveste com outras aparências, mas o fundo de si é sempre repleto de fósseis inférteis e água contaminada. Nada do que já houve até hoje esteve de fato bem, porém eu repito a mim mesma que eu estou bem, ou melhor ainda, eu ficarei bem, as coisas passam... É mentira, tudo sofre erosões, tudo continua a se quebrar, a se queimar, a se deteriorar, a ser substituído, e até o esquecimento se torna em cinzas. Então, se amanhã encontrarem este meu corpo entregue ao cálice da cicuta, ou se uma floresta imensa for queimada, acreditem-me que foi a serenidade insana de minhas racionalizações.

O que diabos eu fiz com a minha vida? Como eu posso saber utilizar com prudência alguma coisa, se eu nem sei o que é essa alguma coisa, ou se ela indubitavelmente existe? O que roubou a minha alegria em ser triste? Quem me deu este coração enfermo que só sabe pensar e pensar cada vez mais? Para quê me deram olhos se tudo só exala cheiro gélidos, quebrados, vermelhos e podres de defuntos? Qual é a finalidade de haver palavras, de existir signos fônicos, se tudo é intraduzível? Quanto mais masturbo estas minhas sensações, mais desprazer eu sinto em buscar qualquer espécie de prazer. Tomo benzodiazepínicos, e quanto mais eu durmo, mas as fezes da cloaca da Realidade se condensam em meu sonhos. Acordar é dormir os bens mais valiosos que jazem dentro de nosso ser, assim como o sono é uma outra forma de relembrar o auto-esquecimento. Não sei como essas feridas estão em meu corpo! Feridas não, são hematomas. Viver é sempre estar com algo quebrado na alma, e as mesmas feridas saradas não apagam as cicatrizes. (Ele me tocou quando eu era apenas uma garotinha. Ele me tocava com todas aquelas repugnantes máculas libidinosas, e nunca mais o sol voltou a afagar as minhas raízes e pétalas. Ele não só me tocava quando todos iam à missa aos sábados; ainda queima em minha memória as guimbas de seu cigarro em minhas costas e seios. Mas eu não o odeio, e nem quero a misericórdia ou o perdão dele e nem de ninguém). Sou hoje em dia a figueira seca e estéril que Cristo amaldiçoou quando em mim não encontrou frutos no período em que eu não podia ofertar fruto algum. Que culpa tenho? É verdade, as pessoas sempre procuram alguém ou algo para responsabilizar.

Não sou fiel nem a Vida e nem a Morte. Tornaram-me numa adúltera de mim mesma, assim como toda a humanidade se prostitui orgulhosamente com dinheiro, trabalho, prazeres, e castrações. Não estou a julgar ninguém. As pedras não existem para ser usadas como armas ou obstáculos, mas para nos ensinar a nobre arte de existir sem que necessitemos viver.

Não Solidão, eu lhe juro que não estou louca, eu quero estar louca, pois a loucura é a escada que nos leva até a porta da Sabedoria. Estar louca é pouco, eu quero ser nada, eu quero ser um nada completo e absoluto, um nada que é a negação afirmativa de tudo, e é a plena ausência-de-encontrar a si, e de tudo o que se quer e se há. Eu sou Nada, graças a Deus. Estou exausta agora Solidão, amanhã poderemos terminar essa conversa, tá bem!? Durma, por favor, e não desperdice o seu tempo pensando em mim.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 15/01/2013
Reeditado em 05/02/2013
Código do texto: T4085744
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