SONHO DE POETA

Buscar o sono até que a vontade passe e acordar com a lembrança

de ter se escondido de uma mentira, eis ai um privilégio de um ser errante, que se aprofunda demais no amor que só tem ouvidos,

porque amar os outros é inerente, pelos outros, é forma poética

de um sofrimento inexistente. A construção sincera de uma poesia

é absolutamente algo de encanto, nascido na alma que vaga na preguiça, uma preguiça construtiva, como a do homem que

trabalha apenas na solidão do seu pensamento. Aceitar ser

escravo de sua própria sensibilidade, envolve por vezes a dúvida,

ser fiel a personagem na trama que herdou em um mundo egoísta,

mas, se tal condição não lhe traz a perfeição desejada, a

comprovar as freqüentes mentiras escancaradamente expostas

em alguns versos, mostra por outro lado um sentimento de amor indiscutível no desenrolar de uma emoção no exato instante em

que acontece. É bom se deitar na rede sentindo a brisa fresca

no rosto e imaginar o sonho de uma vida no vôo de uma gaivota solitária. Recriar sua própria existência no paralelo imaginário de

uma bela criança dormindo e o choro convulsivo do sentimento de perda, a tal preguiça anteriormente dita. Não existe uma condição

pré-estabelecida para viver poesia, somente sentir e encontrar

vida na mais desapercebida das criaturas. É muito difícil não parecer presunçoso diante dessa exposição, porém prefiro dizer que é

apenas a constatação empírica do amor de quem escreve sem a

menor necessidade de demonstrar talento ou superioridade.

Não admira serem inacreditavelmente simples os mais belos poemas. Dito isso, abraço minha preguiça e sonho ser poeta, de resto

prefiro o silêncio a uma discussão sem sentido, pois seja qual for a idéia, passa necessariamente pelo amor a vida.

(reedição)