Dançarina

A casa cheirava a cigarro e café. Seus olhos ardiam enovelados pela fumaça que insistia em produzir, segundo após segundo... E como que numa tentativa de sufocamento, fechou as janelas e qualquer outra entrada de ar e dançou um balé de braços balançando leves, rodava e entrava na nuvem de nicotina com graça e vontade, até a exaustão. Depois deitou-se no chão em posição fetal tragando a pontinha terminal de seu bendito. Levantou-se, abriu as janelas, virou as costas, pegou a garrafa térmica,abriu,despejou cerca de um litro de seu elixir matinal em uma caneca de alumínio,dessas com escudo de time e bebeu,bebeu,bebeu... Queimou a língua, a garganta, o esôfago, a laringe e tudo o mais que estivesse na trilha de passagem da bebida em chamas. Passou geléia de morango no pão semi-mofado e mordeu uns nacos com seu ar blasé de quem sabe das coisas. Olhou o relógio, verificou ainda ter quatro horas de ócio e entre cochilos intermitentes, fez alguns afazeres domésticos, reuniu os sacos de lixo da casa e lançou pela janela. Seu coração de puta louca achou insuficiente, sua vitalidade nervosa e estranha pedia mais, mais, mais! Violentamente, abriu o chuveiro e pôs-se a se lavar aos berros e urros de uma música qualquer, quebrou alguns ladrilhos e espalhou xampu por toda extensão do banheiro. Saiu do banho sem toalha, sacudindo-se tal qual um cachorro molhado caminhou até o quarto, abriu o armário, pegou qualquer roupa e vestiu. Bateu a porta de sua até então casa e gargalhou obscenamente uma promessa de vingança.

Rachel Souza
Enviado por Rachel Souza em 13/03/2007
Código do texto: T411562