DIÁLOGO COM NINGUÉM
 
 
 
Pra que dialogar com alguém se ninguém me ouve?
Pra que falar dos meus problemas, dar explicações, se os homens já têm os seus?
Pra que falar de amor, se o amor não está em mim?
Pra que falar de carinho se eu não sei o que é isso?
Pra que falar de alegria, quando a tristeza já me invadiu o ser?
Pra que falar de carência e de fome se me tornei um carente contumaz e a minha fome já ultrapassou todos os limites?
Pra que falar de sono e de descanso se eu nada faço para se cansar e nunca sei quando estou dormindo ou acordado?
Pra que falar do calor do sol, do frio e da chuva se nas tocas, nos ocos de árvores, nas galerias, debaixo das pontes e viadutos onde me recolho pra abrigar-se já não percebo o efeito da intempérie?
Pra que explicar o porquê da minha vida de andarilho e de mendicância se ninguém tem tempo para ouvir? Até porque a ninguém interessa.
É. Com tantas indagações na mente cheguei à conclusão que o melhor que faço é não falar nada. Isto é, só dialogar com ninguém.
Curioso, o mundo inteiro pode não acreditar, mas ninguém está presente numa forma volátil e imperceptível, mas como um espírito materializado na mente fértil desses mendigos e moradores de rua. Daí o porquê dos longos bate-papos ou diálogos de muitas pessoas, aparentemente com ninguém, posto que os nossos olhos comuns não vejam.
Não acredita? Nas suas orações converse com o seu Pai Criador. Ele sim dedica o Seu precioso tempo cuidando dessa população carente, moradores de rua. Só Ele nos escuta e sente as nossas vibrações de necessitados. Mesmo porque sabe como nos proteger e o que é melhor para a nossa sobrevivência.
 
 
 
 
 
 
 
 
Nota:
 
É muito normal ver e ouvir pessoas falando sozinho nas ruas. Não tenho como explicar agora, porém afirmo que nos planos do Criador isso acontece com os homens naturalmente. Alguns conseguem se conter e outros não. Eu mesmo já me vi pensando em voz alta muitas vezes. Mas o que escrevi foi real. Há exatos trinta e seis anos ouvi um pedinte conversando em alto brado, bem ali no início da Avenida Liberdade, ao lado da igreja das velas, em São Paulo-SP.