Reflexões no sentido horário...

Feito dragão da independência, vigiarei o tempo cronológico, o meteorológico, o deus Cronos, a moça do tempo,

o céu, o chão, a parede, o termômetro, o relógio,

o pêndulo e seu vai-e-vem...

Vigiarei as tuas roupas; jaquetas, bolsas, casacos e sapatos de couro,

as tuas botas e a tua capa impermeável ...

caminharei com os olhos no encalço dos exatos ponteiros,

sem te perder de vista, sem pressa,

sem essa de querer rimas a qualquer preço,

silenciarei maracanãs, wembleys e bomboneras,

farei eclipses lunares, solares, planetários...

serei guardião das mil e uma noites estelares, de extemporâneos Harleys, do cruzeiro do sul, da Ursa Maior, da Menor, das três Marias e de todas as vias Lácteas ...

afastarei de ti meteoritos errantes, impertinentes, ousados, vadios ...

(...) Os pássaros já cantam, divertem-se, repousam em altas tensões...

fizeram a hora com paciência de dar inveja

às altivas e cintilantes bandeiras da América

ventos de orientes

mastros a arranhar os céus

de Hong Kong, Jacarta, Bangcoc, Kuala Lumpur...

crepúsculos matutinos, pacíficos, oceânicos,

atlânticos como o brilho desses teus olhos castanhos, brasileiros

a inundar de segredos verdes-escuros lentes Bausch&Lomb...

tantas estórias pra guardar no estojo entre flanelas e imagens refletidas, retidas, enclausuradas, silenciosas ...

Aparece na rua ou no passeio,

sê meu presente de aniversário ...

revela-me o teu endereço, o teu código postal, o teu e-mail, a senha da tua alma...

Vem brincar de amarelinha, de médico, de casinha, jogar queimada,

vem te fartar de infância,

passear com os meus fusquinhas Made in Taiwan.

Vem pular corda no meu peito,

sair por aí como nos tempos do ensino fundamental,

daquelas aulas de Geografia,

que nos levavam às savanas africanas, ao cerrado mato-grossense,

às cataratas do Iguaçu, do Niágara,

a Pyongyang, a Phnom Penh a Ho Chi Minh …

E eu... que queria tanto pegar a tua mão, ser adulto,

ser senhor de mim,

sentir a felicidade de um amor pré-vestibular,

viver a plenitude da maturidade infanto-juvenil,

assistir àqueles filmes proibidos,

desvendar-te, despir-te...

traduzir-te aquelas canções de Woodstock,

contar-te a minha estória,

saber de ti, dos teus planos de vôo,

ser o teu navegador no Paris-Dakar,

no rally dos sertões,

atravessar contigo o deserto da Mauritânia,

o agreste pernambucano,

levar-te pra casa sã e salva, feliz, esperançosa, apaixonada...

Flagrantes em branco e preto,

antigos retratos amarronzados

daqueles nossos momentos de sacolas, cadernos e cadernetas,

de compassos, esquadros, tira-linhas e transferidores,

das cartografias de todos os mapas e contornos da antiga ordem mundial ...

do Leste e do Oeste,

das frígidas guerras, mundanas, tiranas, insanas...

Por onde andavas, com quem sonhavas,

o que fazias antes do muro vir abaixo, ruir, esfarelar-se, virar pó, ir pelos ares, perder-se para depois cair no colo profundo de seios fartos e decotes recatados

de Berlins teutônicas, atônitas, nova-iorquinas?

(...) o que seria do acaso se por acaso aqui não estivéssemos ?

(...) o que seria da nossa história no sul da América, no Brasil, o que seria deste nosso Novo Mundo ?

(...) o que querias ser, que planos adolescentes levavas naquela mochila vermelha ?

indiferente, impassível, incansável,

alheio a tudo e a todos ...

quem sabe em longínquos devaneios de infância,

o pêndulo vai e vem ...

talvez a contar ao tempo fábulas de Hans Christian Andersen...

Faz tanto tempo...

que o velho e empoeirado transistor até já toca outras canções ...

Feito dragão da independência continuo a te buscar com estes pensamentos rebeldes, indisciplinados, inquietos, insurrectos, eólicos, aquartelados...

Texto de Zizifraga

Reeditado em 02/2013.

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 13/02/2013
Reeditado em 13/02/2013
Código do texto: T4138156
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