SIMÃO - O AMOLADOR
Aquele assobio rua abaixo flauteado e repetido anuncia a figura algo etérea do amolador quebrando o silêncio de Outono, e prenunciando chuva ou pelo menos evocando-a.
Além do som da gaita o amolador da minha infância lançava no ar esfriado o som da voz cantada como pregão:
- Aaaaamola tesouras e navalhas- entremeando o musical anúncio com a vocal confirmação do seu serviço.
O amolador Simão que agora desce a rua é o mesmo que conheço há mais de meio século. Está em todo o canto do mundo e existe antes e depois de Cristo.
Simão o amolador decalca e define a nostalgia que prenuncia o Inverno Ele atravessa discreto outras estações, hibernado no Verão segundo creio.
Encanta-me o seu canto, a sua figura puída de metal, queimada de fagulhas, brunida da “patine” do tempo como se fora um homem de bronze.
Simão não sabe quem é, mas eu sei que ele é o Deus do tempo. Com a sua roda girando pelos caminhos do mundo sem fim, marca o compasso e o ciclo da vida.
Encarnação de Cronos, Simão, além do aço frio, aguça-me o fio fino da razão, ávida de penetrar para além da densidade
temporal.
Volta sempre Simão, e traz a tua flauta mágica com que ergues as alma às divinas pradarias dos poetas.