Revelações: 4ª Parte

O que deixa o meu coração se sentir sozinho não é a ausência de amigos ou pessoas, mas o que me faz mesmo me sentir sozinha é essa multidão de pensamentos que não cessa de parir ideias e mais ideias. Não vou tomar medicamento nenhum, eu não estou louca, se vocês não aceitam o que eu faço e digo, isso não importa nada, só porque optei em me exilar no meu próprio corpo, neste quarto, me chamam de “esquisita, idiota, maluca”. Amar é tão desnecessário quanto odiar qualquer coisa. As galáxias parecem pequenas ondulações decorridas de uma pedrinha que um garoto de doze anos jogou na superfície de um lago, e o que estava pensando esse garoto ao atirar na água aquela pedra? Quem são seus pais? Quais serão os seus programas de TV favoritos? Ele estuda onde? Quem são seus amigos? Ele costuma rezar? O que ele reza? O que é a vida na opinião dele? O que ele sonha em ser? Onde está aquele garoto?! Ele estava ali perto do lago não faz nem quatro segundos!!! O que aconteceu com ele? Sem essa, eu o vi, sei que o vi, não repita que estou tendo um surto paranoico devido ao excesso de isolamento e fruto de uma mente deturpada! Tudo é conectado e ao mesmo tempo solitário e deturpado. Não me venha com essa babaquice psicológica pra cima de mim.

Vão pro inferno. Eu quero ser a Deusa suprema do Cosmo_ A Deusa isenta de qualquer tipo de santuário, isenta de adoradores, isenta de qualquer veneração ou conhecimento por quaisquer organismos vivos ou fictícios. Não quero nem mesmo que a existência sinta o cheiro tênue das batidas do meu coração. “Eu não tenho medo de nada”, afirmação pueril. O que me causa pavor é justamente o que eu conheço, o que é conhecido e conhecível não passam de máscaras no rosto da ilusão. Eu costumava ir ao shopping, e havia tantas opções, tantas seduções, tantas pessoas sorrindo, comprando, conversando, mas todas elas apenas existiam, e só existiam, e esse fato, aparentemente banal e óbvio, essa fato é muito mais complexo e triste do que possamos cogitar.

E havia uma criancinha que segurava um brinquedo na mão esquerda, e a mão de sua mãe com a outra, e as luzes das lâmpadas multicolores reluziam nas retinas daquela família, daquele três seres convictos de que eram felizes, mas havia algo maior que ninguém ali que passava perto deles conseguia enxergar e sentir, contudo eu conseguia de longe vê-los e senti-los. O que eu vi? O que eu senti? Por que meus olhos decidiram enxergar a vida e o mundo? A vida e o mundo são apenas sons ilegíveis antropomorfizados. Maldito seja o dia em que o mundo se apresentou diante de mim e de minha inocência, ou fui eu quem se apresentou diante dos olhos do mundo? Lembro-me que nesse dia não houve sorrisos e nem lágrimas. Apenas uma nuvem plúmbea se congelou entre nós. Até hoje o mundo e a vida são dois átomos estrangeiros perante meu corpo inlocalizável. “Por que você trouxe o meu filhinho pra cá?” Não vem com esse papo que é pro meu bem. Eu sei o que eu sinto pelo meu filho, pois antes mesmo dele nascer eu já o amava mais do que tudo. Leva-o daqui. Ninguém pode me ver sóbria. Estar sóbrio é ver todas as vertigens disformes da vida e de si mesmo. “Filho: a mamãe te ama muito; a mamãe nunca vai deixar de te amar. Mas eu preciso desenterrar a ferida da minha liberdade, e investigar as fraturas existenciais deste cadáver virtual que é o meu corpo”.

Seu porco, tire o meu filho daqui. Lembra-se quando tu chegavas do trabalho às seis da tarde, tirava os livros dos meus braços, amarrava minhas mãos na extremidade superior da cama, me botava de quatro naquele leito e só parava de me penetrar na minha vagina e no meu ânus depois que gozavas duas vezes?! Às Vezes eu adorava bancar a prostituta, me sentia a rainha da devassidão e não sentia remorso nenhum, mas pensando bem, todas as pessoas são meretrizes do dinheiro, do prazer, da moda, da religião, do trabalho, do poder, das ideias, somos as prostitutas letradas e iletradas sempre buscando alguma coisa, como se alguma coisa fosse algo realmente. Sempre estamos famintos em querer estar com fome, sim essa fome, fome de excessos, de carências e de harmonias. Mas eu sinto que preciso encontrar esta parte de mim que eu não sei o que é, mas eu sei que há, e dentro desta parte de mim eu sei que há uma faísca, uma faísca leve, efêmera, escondida, quase morta, porém eu sei que essa faísca será capaz de despertar em minha alma uma pureza tão colossal, tão divina, que eu sei que ali, dentro dela e de mim, eu poderei sentir o que há de belo em meu ser. E um novo céu estrelado de flores, vaga-lumes, e de metamorfoses fluirão a cada pulsar de meu coração. Eu sei que existem tanta ternura e bondade dentro de nós, mas é preciso às vezes um corte, uma ferida para que essa ternura e essa bondade escorram como se fosse sangue de nossas almas.

Mas essa porra toda não para de golpear com martelos cada centímetro do meu sentir, e me golpeia e me golpeia e de novo e de novo... DROGA. Esse basta que nunca chega, e quando algo chega nunca basta. Eu queria cheirar todo o universo como se fosse dois gramas de cocaína e vomitar todos os cosmos e multiversos na privada imunda do vácuo.

Recordo o gesto trivial daquela criancinha que sorria para sua própria mãe, eu não sei direito o que é, mas eu sentia uma dor tão atroz e simultaneamente bela diante desse simples e hermético gesto, pelo irrisório fato que existia. EXISTIA. EXISTIU. E essa criança desloca o foco de seu olhar de sua mãe para o que estava bem em sua frente, e passando ambos os dois perto de mim, eles não me viram e nem me sentiram, mas eu os vejo muito além da tangibilidade de seus corpos e de suas sombras, e algo em mim me confrangia ainda mais.

Minha perna está sangrando. Não recite versos de Baudelaire, detesto tudo isso. Péssimo gosto esse nosso de romantizar ou idealizar a vida e a morte. Pode parar por aí, deixe que minha perna continue a sangrar. Eu preciso sentir no cerne da carne o quão a vida está me abandonando e me descartando, a fim de que eu possa deseja-la de novo, a fim de que queira querer estar com ela outra vez, a fim de que eu crie novas explanações para novamente uma fogueira de paixões e amor queimem minha frieza e rasgue todos os muros que vigiam minha mente, e essa fumaça negra e nociva que ferve em minha alma possa, ao menos por uma breve estação, possa se outonear de minhas raízes, solos e galhos para bem longe.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 23/02/2013
Reeditado em 24/02/2013
Código do texto: T4155651
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