Astronauta antigo - Primeira Parte

“Sê um homem e não me sigas”

(Friedrich Nietzsche)

Foi um momento único, momento oportuno, dádiva do destino...

... Me chamo Ziggy e acabei de encontrar o filósofo que me guiará.

Mas, ainda tenho dúvidas...

Ele identificará em mim todo o potencial que tenho? Metamorfosearei em evolução plena?

Das espécies... Minha espécie; espero, eu sei que tenho potencial, mas falta-me audácia para causar a sua erupção!

Cumpra-se a missão! Farei o maior show de rock do planeta Terra!

Então, eis que chega a hora da superação... O discípulo vira mestre, mando o filósofo ir embora...

... E lanço toda minha intenção na concepção da semente da virtude!

O universo conspira ao meu favor, adeus mestre!

Sou capaz de encontrar a coragem e a volúpia para dar ao público que me ama tudo o que ele quer!

Tudo o que há em mim em forma de canções; eles sabem que componho e toco com extremo ânimo...

Só assim, reina em plenitude toda a harmonia de minhas virtudes!

Transbordará discernimento da boca e das mãos... Criarei a personagem máxima!

***

Sim! Foi assim que tudo começou... Me chamo Nosfa# e eu estava presente...

... Foi o que me disse Bowie, em estado de êxtase, erguendo sua taça de vinho... Surgia, naquela noite, Ziggy Stardust diante dos nossos olhos!

Inacreditável... O seu projeto mais ambicioso, sua cartada final para conquistar o mundo.

E, num ataque surpresa as aranhas de Marte invadiram a sala, tornamo-nos presas...

... Delas saiam teias, nelas pernas enormes estendiam-se em nossa direção, queríamos combate-las!

Declaramos guerra, montamos o palco da tragédia, sabendo que teríamos...

... Teríamos que matar um rato em cena, durante toda a temporada.

Sacrifícios de sangue... De ratos... Como nos filmes da Hammer.

E as aranhas serão exterminadas pelo exército de Ziggy Stardust!

Serão muitos, se tornará hábito para nós matar ratos e aranhas no verão!

***

Estamos prontos... O que foi que eu disse?

Nada David, relaxe... Ainda faltam cinco minutos.

É sobre... Sobre... As... As aranhas são de Marte, é isso!

Pennebaker as criou no celeiro de sua lente; flagras instantâneos no ninho-glam-camarim coberto de teias espessas... Aqui elas tentaram botar os seus ovos.

Destruam-nos com chamas... Não as deixaremos espalhar sua espécie pelo planeta!

Olhei para cima, abri o pergaminho, ouvi o público, a sinfonia...

Eis o momento oportuno... Desde quando mandei o filósofo embora!

Agora, sozinho, encontrarei toda a força que há em mim!

Vou rumo ao palco, minha adrenalina transborda em êxtase e redenção!

A juventude só quer a redenção que vem das estrelas... Posso dar isso a elas!

... Somos pó das galáxias, somos os homens das estrelas... Um som de piano...

Só há um camaleão em Hammer Smith e a casa está cheia; desde as 14h00 não param de chegar...

... Lotar nossas fronteiras! Nosso exército está cada vez maior, seremos o maior exército da Terra!

Combateremos e venceremos as invasoras marcianas... Sabemos quais as sequências de acordes que acabam com elas!

Minha mãe teve contato com seres extraterrestres durante a gravidez!

Verdade, pode acreditar... Foi o que ela me disse várias vezes!

Foram tantas que ela me contava cantando-me uma canção de ninar...

O calor das luzes me tocou... Muitas luzes diretas em sua barriga, cegaram-na!

Agora, busco o foco, olho para a banda, faço um aceno...

... Como uma ópera, o público implora, ouço o clamor, o piano, é Beethoven e sua nona sinfonia...

Ainda estamos em 1972 ou já é 1973?

Angie acaba de ver outro disco voador!

***

O público ovaciona-me, ovacionam Ronson! Sua guitarra ovaciona-os!

Ovacionam-nos, as aranhas de Marte invadem e quase nos tocam!

Mas nós as tocamos com maestria, ferindo-as uma a uma... Antes...

... À tarde, as duas, limousine estaciona, ficará a disposição; lá em baixo, fãs a disposição; no hall de entrada, seus sons chegando...

Sobem os andares do hotel... As aranhas sobem... Aos meus ouvidos, o traço amarelo na capa de Hunky Dory.

O minimalismo de Aladdin Sane; composição suprematista¹, como o Branco sobre branco².

Traço vermelho na face, cortando o branco sobre branco... Alma branca...

... A alma de Ziggy Stardust³... Totalmente branca como a ruptura de Malevich.

Ouço os gritos do público, capto a eletricidade da banda, sinto a luz me tocar...

Será mesmo verdade que minha mãe viu um disco voador?

Ainda sinto o gosto do vinho, dirijo-me a margem central, sinto o calor...

... Encontro o microfone, inicia-se “Hang on to yourself”, hoje será a última vez dela iniciar algo?

No planeta Terra confirmaremos o nosso juramento interestelar...

É a última noite de combate, acabou-se a missão espacial.

Atenção, cavalheiros... Dêem-me um pouco de sua atenção, levantem-me o seu olhar!

... As aranhas de Marte foram derrotadas! Estamos libertos desse perigo tão surreal.

¹Movimento iniciado em 1915 por Kasimir Malevich (1878-1935), que transmiria em seus trabalhos o conceito: “a arte pura da pintura”.

As composições baseavam-se no desprezo da arte como fantasia. As pinturas representavam a negação e o minimalismo tanto nas formas como nas cores.

²Branco sobre branco (1918) foi uma obra suprematista revolucionária criada por Kasimir Malevich.

³Ziggy Stardust, personagem de David Bowie criado para sua turné do início dos anos 70: “Ziggy Stardust and the spiders from Mars” (1972-1973).

*Baseado em citações de Friedrich Nietzsche.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 10/03/2013
Reeditado em 18/03/2013
Código do texto: T4180863
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.