Vento Espião





Diariamente, caminha para o trabalho percorrendo as mesmas ruas, passa em uma esquina onde há uma loja de produtos importados, desses que custam a partir de R$ 2,99. Esse trajeto faz parte de sua rotina há mais de 20 anos. As pessoas, as casas, os canteiros, os semáforos, a publicidade nos outdoors, escolas, bares e outros estabelecimentos comerciais são sempre os mesmos. Seu olhar de tanto olhar as mesmas coisas, ficou embassado, suas retinas estão cansadas, fatigadas, bem como disse um certo "poeta"... Jamais imaginou que chegasse a esse ponto: sua vista cansada de olhar a mesmice, de não encontrar mais graça em nada, não sabe mais olhar e "ver".

Mas, trabalhar ainda é preciso, por isso tem que caminhar, olhando sem ver, sigue seu itinerário diário. Um exercício e tanto para alguém que está próximo à idade "sexi". Alguém que a vida inteira não fez outra coisa a não ser caminhar... Quando não está trabalhando (fora) caminha  dentro de casa, ainda morando sozinha. Conviver consigo mesma é uma barra. Muito exigente, chata, pensa, às vezes, que está com mania de perfeição. As horas de folga são consumidas pelas tarefas domésticas. Sua casa precisa está sempre impecável, pronta, em ordem como se a  qualquer instante fosse receber a visita da  pessoa mais ilustre!...

Por que não tem "secretária"? Hummmmm... Já teve mais de uma dúzia, mas elas não aguentaram, e várias vezes foi parar na junta trabalhista. Já deu trabalho demais para seu advogado. Cansou de dar trabalho aos outros, por isso resolveu, a partir de agora tentar "se" aguentar sozinha,  sem saber até quando vai suportar.

Caminhar seis dias da semana para o trabalho, exige muito! Mora distante da empresa, mesmo assim prefire ir e voltar a pé. Ouviu outro dia, em um desses programas de tv, que caminhar faz bem pra saúde. Embora nesse percurso diário já tenha perdido mais de dez quilos, está bem consigo mesma, bem com seu peso em relação à altura, etc. Dizem que tem corpo de (quase) modelo. Isso a deixa orgulhosa, boba. Daqui a três meses fará 60 anos. É saudável e gosto das coisas boas da vida, apesar de seu temperamento forte e gênio bastante difícil.

Quem sabe, qualquer dia desses numa dessas esquinas que a veem passar diariamente, encontre um vento espião que note sua presença, se apaixone por sua beleza em plena idade sexi e queira levá-la para habitar em outro lugar no horizonte, onde consiga enxergar os detalhes e as cores mais belas que a vida tem.
Consciente de que recusou, quando mais jovem, bons pretendentes, moços de caráter e de boa índole. A verdade é que se achava bonita demais e por isso, nenhum jovem dos poucos que tentaram se aproximar dela, mereceu seu amor nem sua atenção. Hoje, pensa que se pudesse voltar no tempo, não agiria mais dessa forma. Jamais imaginou que a vida tomasse esse rumo. O orgulho era tanto que até as amizades de infância foram aos poucos se perdendo. Sem família nem parentes na cidade, vive a amargar a saudade e a dor por algo que jamais voltará...
O peso da solidão a consome como se fosse uma doença incurável, e está ficando cada vez mais insuportável conviver com isso!...
Qualquer dia desses, admite que irá criar coragem e acabar se inscrevendo em um desses sites de relacionamentos. Somente assim poderá de uma vez por todas, pôr um fim nessa tristeza que parece sem fim.


Isis Dumont
rsrs
"Trata-se apenas de mera criação literária. Nada a ver comigo, por isso alterei para 3° pessoa rsrs". Beijos e obrigada, queridos e amados poetas, poetisas e leitores do Recanto! 

Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 19/03/2013
Reeditado em 26/03/2013
Código do texto: T4197596
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