A foto e a fossa infinita

Na fotografia

Pareço a mesma.

-Pareço-

Sorrindo, naquele momentinho congelado. Dedos enlaçados. Dentes amarelados

Ah! Como se os sorrisos alimentassem minha vida, vivia eu a sorrir!

Mas as fotografias não crescem, não entendem e não sofrem...

As fotografias são só fotos ou retratos

Que dão azar se rasgar

Mas se rasgarmos, aquele momento feliz (XIS) pode acabar com a tristeza de olhar a foto e sentir raiva de termos sido felizes e agora estarmos na fossa.

Às vezes as fotos só servem pra nos afundar mais na fossa que parecia ser impossivelmente mais funda, e agora se mostra infinita. A foto e a fossa. A foto e a fossa infinita.

E como se soubesse disso, as fotos são capazes de provocar no homem um resgate intrínseco de detalhes rigorosamente perfeitos do passado, como por exemplo, a música de fundo e o cheiro que sentia naquele momentinho congelado.

E dá raiva, porque aí comprovamos mais uma vez que a fossa é infinita e que a água da fossa tem cheiro e que a própria água vem um pouco da gente, ora da lágrima, ora de outros excrementos que o corpo produz. E a fossa também tem exatamente a mesma música da foto. Cada pingo da gente batendo na fossa faz aquele som, como se aprendêssemos todos os instrumentos de uma só vez.

Eu queria poder tirar proveito das fotos, no entanto elas só me lembram a fossa. Os retratos ovais de minha bisavó não são alegres nem coloridos, não me trazem lembranças, pois aquele rosto que vejo, jovem e bem tracejado, nada me recorda de quem eu conheci. Me soa estranhamente indiferente: naquela época não era cultural sorrir para as lentes. Mas as fotografias minhas, ah! as minhas são diferentes.

E cada sorriso que me dá ódio!

Como eu era feliz!

E sinto muito que as pessoas pensem que o segredo está na máquina fotográfica. Não, o segredo está em quem está sorrindo.

Quem sorri já prevê a fossa avassaladora que um dia chegará; quem sabe dali alguns bons anos, andando e sorrindo diante de todas as câmeras possíveis, caia na fossa, assim de forma repentina.

Aí,

Vai sobrar um domingo vazio, solitário, daqueles monotonamente entediantes. E remexendo caixas velhas

Quem aparece?

A caixa de fotografias.

Senta no tapete, esparrama as fotos num raio de um metro em torno de si

...

E convida-se a si mesmo para a mais saborosa fossa de domingo!

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 23/03/2007
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