JUVENÍLIA
Tendo eu ingressado na casa da dor
Onde tantas vezes tinha brincado
Numa infância que retorna em sonhos sombrios
Eu me vi diante da porta do meu desespero:
"Entre e veja!" estava escrito em pétalas secas
No peitoral apodrecido pelo tempo imemorial
Um jardim com lousas sepulcrais foi tudo que vi
Em vestes hediondas passavam por mim
Minhas lembranças capisbaixas
Meus segredos tortos, revelados ao mundo
Havia um retrato desbotado
Um sorriso quase apagado
Um rosto familiar
"Morto estás, em tua casa de criança..."
Estrondou uma voz atrás de mim
Tantas vezes as paredes foram testemunhas
De olhares de quem doente jazia
Os tacos apodrecidos agora rangem de dor
Ao serem pisados novamente
Pelos mesmos pés doloridos
Do caminhar seco
Do olhar úmido
Por quê fui voltar aqui?
Já não há janelas na casa da dor
O que era sonho infantil, coberto pela tinta
do agouro ficou...
Soldadinhos de plástico
Derretidos pelo calor da incerteza
Hoje a brincadeira solitária de outrora
Se tornou tormento de hora inteira
Os arranhões no joelho que tive quando pequeno
Agora são chagas no coração do adulto soturno
Tudo o que fui
Tudo o que sou
Tudo o que serei
Está condenado
Porque meu tudo
Está na sombra da vida
Do outro lado.
E só me resta um assopro de amparo
E uma pergunta tola e vil:
Por quê fui voltar aqui?