JUVENÍLIA

Tendo eu ingressado na casa da dor

Onde tantas vezes tinha brincado

Numa infância que retorna em sonhos sombrios

Eu me vi diante da porta do meu desespero:

"Entre e veja!" estava escrito em pétalas secas

No peitoral apodrecido pelo tempo imemorial

Um jardim com lousas sepulcrais foi tudo que vi

Em vestes hediondas passavam por mim

Minhas lembranças capisbaixas

Meus segredos tortos, revelados ao mundo

Havia um retrato desbotado

Um sorriso quase apagado

Um rosto familiar

"Morto estás, em tua casa de criança..."

Estrondou uma voz atrás de mim

Tantas vezes as paredes foram testemunhas

De olhares de quem doente jazia

Os tacos apodrecidos agora rangem de dor

Ao serem pisados novamente

Pelos mesmos pés doloridos

Do caminhar seco

Do olhar úmido

Por quê fui voltar aqui?

Já não há janelas na casa da dor

O que era sonho infantil, coberto pela tinta

do agouro ficou...

Soldadinhos de plástico

Derretidos pelo calor da incerteza

Hoje a brincadeira solitária de outrora

Se tornou tormento de hora inteira

Os arranhões no joelho que tive quando pequeno

Agora são chagas no coração do adulto soturno

Tudo o que fui

Tudo o que sou

Tudo o que serei

Está condenado

Porque meu tudo

Está na sombra da vida

Do outro lado.

E só me resta um assopro de amparo

E uma pergunta tola e vil:

Por quê fui voltar aqui?

Delarge
Enviado por Delarge em 15/08/2005
Código do texto: T42719