A fome de infância

Continuo e continuo sempre a tentar compreender este mundo que literalmente se esgarça, esta fome que não é fome mas faminta se alastra na alma, e calada cai num vasto eco de um estômago cerebral. Os homens já não conhecem suas fomes. Fartam-se de flocos e flocos de enganos e só emagrecem a alma decadente. Exasperam-se para acumular por fora o que lhes falta cá dentro e seguem enganados todos eles! A mídia, amiga íntima dos infernos apenas ajuda a enterrar os pobres infelizes, ricos de nadas com seus tortuosos caminhões de coisas, repletos e abarrotados. No cachão, só entrará o pobre corpo e o monte de nada fica para os herdeiros de nadas que ficam.

Continuo ainda tentando compreender este discurso todo de amor, e esta inexistência óbvia de amor que leva terras inteiras gastarem mais com pólvora do que com leite.

Crianças completamente mancas de emoção e riso, rastejam carregando fuzis, e atirando balas como se fossem seixos num lago de tristezas. Como será que dormem os homens que assinam matanças assim? será que sonham com um mundo sem infância? Tenho tanta pena deste mundo do amanhã...vejo as raras crianças que serão mesmo crianças sem praças para empinar pipa e um céu sem nuvens que viram elefantes, vejo meninas que sequer querem brincar de bonecas pois todas as suas bonecas morreram cedo. Continuo a me encantar com o mar, mas eu vi o mar! eu brinquei com cavalos marinhos...comi azeitonas e seriguelas nos pés, como podem brincar de amar quem jamais se sentiu amado? Criança inventa muita coisa mas acho que inventar amor é bem difícil. Continuo aqui tentando compreender este mundo, e quanto mais eu tento, mais e mais me aflijo. Quem dera pudesse eu, como poeta, dar a cada criança daquela, nem que fosse uma borboleta para observar..

Márcia Poesia de Sá.