FLECHA TRANSVERSAL

Não é o presente, mas vem do passado porque sempre esteve latente, meio que adormecido. Por que é assim que a gente faz pra tocar a vida pra frente, sem fazer muito alarido, como se abanasse o ar com um leque e pudesse respirar essas rajadas de pequenos ventos tão inevitáveis que sopram os sentimentos.

Mas por que a porta se abre? Por que o pretérito cisma em dar tapas na cara da gente? E os caças-níqueis despejam todas as fichas de uma vez? Será que é pra ver se a gente acorda, encara de frente?

Eu ser de alma livre, não sei viver um meio- amor, prefiro a dor intensa, o destemor da vivência.

Por que a vida precisa cobrar da gente as escolhas erradas e as suas exigências? Por que os humanos preferem a anestesia? Sem os apelos, as fantasias e a poesia...

Por que o mundo massacra? O mundo não, os preconceitos, preceitos e todos os prés que se infiltram sem pontes criando abismos.

Por que a falta de coragem? Por que se opta em viver mal uma existência tão curta? Não deveríamos a qualquer preço entender a efemeridade e sermos desprendidos com nossos amores, rancores e pudores?

Está bem, dizem que aprendi a transmutar meus carmas, cada vez mais me desvencilho das bagagens pesadas, dos baús, das malas sem alças. Aprendi a somente levar meu corpo acessório da minha alma que pede a primeira passagem. O que é de alma sempre fica. Aprendi a subir e descer com o tempo, como se tivesse a brincar com as ondas do mar sem me afogar.

Também sei que o peito às vezes pesa, aperta, bate apressado, se desespera,tosse, se contorce, mas vou com ele aberto a qualquer experiência, não receio as correntes frias que podem me pegar de mal jeito, nasci de frente.

Cismo, persisto e me apaixono cada vez mais por uma moça que tem o nome de Liberdade, e ela é fugidia, talvez por isso eu esteja sempre apressada atrás do destino na vontade de tocá-la. Sei que nosso amor é um trespasse, assim é mais garantido, sem o risco dos corpos, do envolvimento aflito.

Amo da Liberdade sua força, iniciativa, inteligência. O poder de estar junto e sozinho. As variações de todas as suas letras invisíveis e escarlates, e sobretudo, amo seu conjunto vazio. Amo as distâncias que ela me faz percorrer nesse globo. Amo sua falta de pratica em lidar com meus ciúmes bobos. Amo sua maturidade com ar de menina. Sua voz macia a entonar cantos em todas as línguas, sem esperanto nenhum que nos entenda. Mas seu acalanto, canto é pra poucos ouvidos. A convivência com ela é como criar os filhos pro mundo, não para barra da saia de quem insiste em prender. Nem o amor que insistimos em acorrentar achando que possa nos pertencer; esse é o pior pesadelo pra ela e daí decorrem todas as nossas brigas.

Por favor entenda que ela está no meio de nós porque desejamos o mesmo sonho; quando não se partilha que tenhamos coragem de fazer a partida, preservando o que há de bonito. Encantos devem ser mantidos nos cantos para não quebrarem ao impacto dos contatos mal resolvidos.

E que minha alma tenha a condição de bambú, que se vergue, dobre, mas não quebre; pois que nada é impossível de se apresentar desde que tenhamos a vontade de se desdobrar.

E que este meu texto seja flexível-como uma flecha, até que se crave em seu centro, no dentro, no alvo e diga tudo o que tem pra falar...

Helena Istiraneopulos
Enviado por Helena Istiraneopulos em 28/03/2007
Código do texto: T428811
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