Dia Apagado

No começo acreditamos avançar para a luz, para os descobrimentos, para a felicidade; depois, cansados por uma marcha sem fim, nos deixamos deslizar: a terra fica cada vez menos firme sob nossos pés, e não nos suporta mais: abrem-se os túmulos para os nossos sonhos infecundos. Em vão buscaríamos perseguir um trajeto para um fim ensolarado, pois as trevas se dilatam ao redor e dentro de nós. Os abismos nos chamam e ouvimos suas súplicas. Acima ainda permanece imóvel tudo o que queríamos ser, tudo o que não teve poder para nos elevar mais sublimemente. E, em outras ocasiões, nós éramos tão apaixonados pelas nuvens, pelos cumes da vitória e de nosso próprio “eu”, e agora depois que tudo passa, nós estamos decepcionados conosco mesmo e com esses mesmos desejos de alturas, mas sabemos disfarçar bem. Acabamos por ao menos venerar a nossa queda, as nossas derrotas, os nossos dilemas, as nossas pequenas conquistas que depois serão apenas cinzas. O vazio é um sonho invertido no qual nos dissipamos.

A vida é um torpor no claro-escuro, uma inércia entre luzes e sombras, uma caricatura desse sol interior que faz nos crer ilegitimamente em nossa excelência sobre o resto da existência.

“Fui, sou ou serei” são apenas questões de gramática e não existem em si. O equívoco no qual vivem os seres criados_ e todo homem que se apegue ao tempo ou alguma coisa é um criado_ representa um verdadeiro estado de graça, um obscurecimento encantado, pois assim o somos. Mas, para as pessoas ociosas, o puro fato de viver, o viver puro de todo fazer, é uma obrigação tão extenuante, que suportar a existência simplesmente parece a esses seres ansiosos, e desenganados pelo próprio acreditar que não estão enganados, parece-lhes um ofício pesado, uma carreira fatigante, porém honrosa_ junto com todo gesto se torna suplementar, impraticável e nulo.

Mas nossos relâmpagos são momentâneos; as quedas são a nossa regra. A vida é o que se decompõe a todo momento; é uma perda monótona de luz, de suor,; é uma dissolução insipida na noite, sem centros, sem saídas, sem auréolas, sem começos ou fins.

Mas ainda temos os cobertores da Esperança para não morrermos de uma só vez pelo frio e pela inanição paulatina de nossas vontades e expectativas.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 26/06/2013
Reeditado em 26/06/2013
Código do texto: T4359522
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