Acinzentado

Chuva que cai, sem parar. Sua inconveniência petulante vaza por todos os cantos. Ora, que covarde delatora é essa? Nada protege, nada preserva. Não que eu a tema ou simplesmente deteste seu infindável pingar. Mas, percebo as suas incoerências. Enquanto insiste em execrar fissuras dissimuladas pelas paredes e tetos, esconde tão habilmente o azul do céu, empurrando-o para o avesso de suas nuvens. Isso não é justo.

Lava e leva do chão o sumo, de forma sorrateira. Não se importa com mais nada, apenas deságua. Diferente de outras agitadoras, prefere fomentar o tédio, sem causar espanto, sem roncar no céu. Aglomerando-se em bandos, suas águas correm, lentamente, avançam. Escorrem por vielas, dispostas a tudo. São batalhões guerrilheiros que se aquartelam nas lagoas, nas ruas interditadas, nos baixios encharcados. Para onde marcham, encaminhando suas guarnições, já não há lugar.

Libertinas, acariciam todas as peles. Escorrem e param, quando bem entendem. Tocam em todos, lambem suas partes, entregam-se a qualquer um. Envolvem-se com intimidade, impregnando-se sem pedir licença. Deixam para trás lábios arroxeados, corpos tremidos, sequiosos de algum calor, que tudo fariam por uma fronha, pelo esconderijo de um cobertor.

Uma pena que este mundo seja tão solitário e urbano; que seja, cada vez mais, tão desbotado. Bem que eu poderia tomar banho em biqueiras de velhos casarões, ver o mato esverdear-se, perseguir minhas lembranças, improvisar barreiros e neles navegar com barquinhos de papel. Mas, por aqui, nada me remete ao passado. Só enxergo bueiros estourados, asfalto e chão cimentado.

Como são frios os respingos que me alfinetam. O gelo do tempo invernoso dói muito além dos meus ossos. Incômodo, mal que me aperta o peito, aflição sem nome, sem explicação. Minha racionalidade me torna ainda mais frágil, diante das doenças sem nome.

Impiedosas, cruéis são essas águas e a tinta negra que lhes serve de companhia, que esconde o meu Sol, nos confins sei lá de onde. Sofro de um mal acinzentado. É este que me assola. Acídia, olhar vago. O espírito deseja clamar. Para quê? Sua voz já se perde, em meio aos chuviscos.

Aluísio Azevedo Júnior
Enviado por Aluísio Azevedo Júnior em 10/07/2013
Reeditado em 12/07/2013
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