Agora que cheguei

(Claude Bloc)
 
Pensei estar chegando ali atrasada. Muito atrasada. E, no entanto, era tão próximo o meu destino... Parei atônita, bem no meio da rua. Olhei em volta e parecia não estar onde eu queria estar. Não reconhecia os prédios, os cenários eram outros. Confusa, busquei dentre os passantes, um rosto que eu pudesse reconhecer. Mas parecia estar perdida em meio a algum sonho convalescente.

Lembrei-me então de ávidos momentos passados, tempo hoje abandonado, dependurado em meus pensamentos. Refleti também sobre minhas escolhas, sobre minhas decisões. Tudo parecia se transformar num turbilhão - lembranças flutuando pelos cantos, pelas esquinas, pelas velhas fachadas que não mais estavam ali...

O sol queimava minha pele e eu nem reagia. Olhei para o relógio exposto na praça sem muito interesse, pois relógios não marcam anos, marcam apenas horas e caminhei lentamente desejando que o tempo parasse, ou que voltasse.

Pensamentos agoniavam-me. Lembrei-me de que aquelas calçadas guardavam meus passos, passos da menina encabulada que fui e que não havia abrolhado em um tempo distante, por medo. Por medo até da felicidade e do desígnio óbvio do tempo.

É isso. O medo e a timidez sempre traçaram minha vida e fizeram de mim uma pessoa reservada, fechada, calada e ao mesmo tempo tão cheia de sorrisos. Não, não uma covarde, mas me considerava solitária, mesmo que cercada de multidões. Multidões de pessoas amigas, e mais tarde de filhas, de netos... multidões de personagens que não deveriam estar ali naquele cenário, naquele momento.

Sentei-me no banco da praça bem no centro da cidade. Poucas coisas ainda restavam do que existira antes ali. Cruzei as pernas para descruzá-las em seguida – estava ansiosa. Cruzei-as novamente. Deliciei-me com o cheiro de café, com os desenhos feitos nas nuvens, com o cheiro da cidade, com o gosto do ar. O gosto de um beijo nunca acontecido, um beijo do sol em manhãs de outras épocas. O gosto de noites mal dormidas, de encontros e desencontros. O gosto de minha solidão adolescida. O adeus de muitas tardes. As lágrimas silenciosas guardadas no travesseiro. Lágrimas salgadas por muitos momentos de abandono e desamparo. Passado perdido no presente, em tempo real, sem intervalos.

Levantei-me então com alguma dificuldade. Os pés estavam dormentes pelos momentos de imobilidade. Senti-me cansada, mas prossegui a pé, calada, medindo as palavras e os pensamentos.  Ajeitei o cabelo com as mãos, meio sem pensar, e segui decidida.

Era hora de cumprir minha promessa. Voltar e buscar tantas memórias perdidas. Sair desse sonho e voltar à luz.

Por isso peço: agora que cheguei, por favor, não pisem nos meus sonhos.