UM QUASE ACALANTO PARA FLÁVIA

Vem, deita aqui no meu colo.

Deixa que acaricie os teus cabelos.

Fecha os teus olhos pequenos e dorme,

já é tarde,

já é hora.

Lá fora o vento passa de mansinho,

tangendo para bem longe

os ruídos da cidade

para não espantarem o teu sono.

Dorme,

pois já dormem

as princesas, os príncipes,

os magos,

as bruxas dos contos de fada,

os sacis

e, também, os passarinhos.

Dorme,

lá fora há um céu bordado de estrelas

mas faltem duas,

que são os teus olhos.

É que quando as crianças dormem

os anjos vêm buscar os seus olhos

e os fixam no céu.

Eles são as estrelas...

Dorme,

pois os teus olhos fazem falta

no firmamento.

Dorme,

não deixes a noite ficar incompleta,

triste, vazia e feia

pela falta dos teus olhos-estrelas...

Dorme,

pois lá fora

o vento passa tangendo o tempo

e os dias da tua infância.

Se ficares acordada

podes, ao te dar conta disso,

ficar muito triste,

molhar a noite com tuas lágrimas

e perturbar, com os teus soluços,

o sono e os sonhos

das princesas,

dos príncipes,

dos magos,

das bruxas dos contos de fada,

dos sacis

e, também, dos passarinhos.

Então,

dorme e sonha com os anjos,

anjinhos como tu.

Dorme,

lá fora há um escuro,

um escuro de noite

feita para sonos e sonhos,

sonhos infantis

inocentes como os teus.

Então, vem,

deita aqui no meu colo.

Deixa que acaricie os teus cabelos.

Fecha os teus olhos pequenos e dorme,

já é tarde,

já é hora.

Dorme...

(Belém – Pará, março de 1978)