CARTA AO TEMPO

Querido tempo, hoje lhe escrevo com certa notoriedade de escala:

digo-lhe que, embora jamais me tivessse pousado em presente, você soube voar tanto quanto eu, a por mim me selar de modo perene e fidedigno às todas as minhas paisagens imaginárias.

Eu e suas janelas somos suas passageiras.

Você tempo, me ludibriou: porque me fez acreditar que eu era.

Embora jamais seria, disso eu não sabia, eu também nunca soube quantificá-lo na realidade presente, você me passava como algo desprezível, todavia, de todo meu abstrato, era você a minha virtualidade real mais implacável.

Se algum dia , por mero descuido de sua pontualidade marcante, os seus ponteiros inverterem o giro, saiba que jamais me encontrará no que fui.

É meu jeito temporal de me vingar da sua atemporalidade.

Suas mãos me modelaram de tal forma, foram tantas as suas transformações operantes, que em escala notória também já não as avisto mais no que sou.

Mas, se arrisco continuar sendo a despeito de você, aqui lhe inscrevo, a lhe dedicar minhas letras de consolo...a minha eterna existência atemporalmente intocável.

Ninguém permanece n'algum lugar se não for pelo o registro perpétuo do que apenas acreditou ser um dia.

Sempre sem tempo, me despeço a meu tempo de ser, no direito de lhe negar a voltar ao seu infinito que por mim já passou.