Casas

As mudanças, restos, cacos de nós.

Fica a parede branca, sem quadros, só o interruptor que acendeu aquelas ideias tolas de dar risada sem hora certa.

O azulejo trincado, com aqueles desenhos de formas devaneias. Como no café da manhã olhando para aquele mundão azul, com manchas claras ao redor.

Levar a casa em caixas rudes, com as mãos frouxas, meio que não querendo. Fica aquela porta aberta, para arejar o quarto de noites bem dormidas ou madrugadas escutando a chuva.

É sempre difícil encher um caminhão com imagens em forma de móveis.

Aquele quadrinho com foto já muito antiga. Presente da mãe que não mais sorri, apenas, justamente, naquela foto que o tempo fez questão de editar.

E há sempre os objetos empoeirados, as tralhas pesadas, os itens para doação. Aquele conjunto de copos de molho de tomate. Dois pratos que ainda guardam o sabor da comidinha rápida, sem truques.

Ah, as mudanças.

Quando vi você descendo aquelas escadas, com sacolas cheias de roupas de cama e sapatos e peças para o dia a dia, senti um peso enorme em minhas costas. Quis levantar a escada, e você, e as sacolas. Mas não pude, não posso.

O que fiz foi descer contigo. E, se preciso, descerei ainda mais.

A vida, com que se paga?

Naquela casa de janelas largas e bem claras ficou um pouco de esperança, e desesperança também. Aqueles grãos de açúcar que caíram do copo de café, também ficaram.

E as portas, cortinas, lâmpadas, chuveiro, torneiras? O que há de se fazer? O que se leva é o que se tem. E o sorriso, a piada, o espreguiçar, o bafo da manhã na nossa cara de sono? O que se leva?

Quando eu vi você entrando na sua nova morada, estreita pela bagagem carregada até lá, eu quis empurrar as paredes do mundo para que tudo soasse largo, expansivo. Mas não pude, não posso.

Lá em cima sobrevive o eco daquela ultima canção dos anos 70, quando você dizia... O que é mesmo que dizia?

E as quinas, os cantos, tudo ficou silencioso.

Agora resta essa imensa mesa, essas máquinas ao redor; e a vontade, persiste? Ainda existe aquela certeza de que o mundo pode ser de cada um, mas para todos? Ainda existe aquela perseverança de tomar o café amargo e ainda sorrir? De fumar o cigarro mesmo sabendo das consequências?

O que há disso tudo? Ah, as mudanças. Caminhos tão longos no mesmo corredor reto, sem curva nem retorno, sem culpa nem transtorno.

Quando você me disse como é difícil recomeçar, pensei nos meus nove meses vivendo, e depois também tive de recomeçar. E pensei que o dia, o relógio, o pássaro que estava pousado naquela árvore bem velha lá fora, todos recomeçaram.

O que me move é acreditar, tanto quanto a vida acredita em mim.

A vida, esse fio inquebrantável de mudanças constantes. Ora enrola, se estica, prende, finge que vai se arrebentar, mas no fundo nos cerca, guia.

Acreditar

s mudanças

a

s.