Fazia anos que ele não sabia mais o que era chorar, deixar cair as lágrimas quentes e grossas rosto abaixo... Não sentia vontade de morrer, nem de viver. Vivendo um tempo de anestesia, ou demência, ou desapego, ou depressão... não sabia, ao certo, o que era uma emoção, fazia tempo... e seguia, carimbando, tracejando o mesmo percurso de casa ao trabalho e de volta, e para a casa de uns poucos amigos e de volta.

Poesia, não mais recitava nem ouvia. Música, somente em língua castelhana, num esforço desumano para compreender as minúcias. O sonho, talvez, fosse viver um novo amor, outra história, língua, país. E sentia saudade de tudo, da angústia, da fome, da poeira que o gado fazia quando trotava em frente de sua casa, seguindo para o matadouro, tangido por vaqueiros mágicos...

E a moda, e as manchetes dos jornais, e tomar o microfone e ser fotografado nos eventos, e tudo o que o canto da sereia da mídia alegrava aos demais, ele corria para se esconder...

E andava, e dormia, e sonhava, e dizia que amava, e a pessoa nada respondia... e ele seguia, sem saber se ia ou se voltava. Mas nem o amor nem o vento lhe davam alento. Sobravam tempestades de palavras, despedidas inesperadas e a tela em branco esperando por uma mensagem qualquer, até mesmo um adeus pra sempre... mas a agonia tinha que ser perpetuada. Afinal, sem sonho, sem esperança, não adiantaria ligar o mundo na tomada no dia seguinte...

E depois tentou voar, mas caiu na primeira e nas demais tentativas. Se escondeu, mas sentiu vontade de sair da toca. E as contradições humanas tomaram seu coração. E deu vontade de matar, de fugir, de dizer impropérios a todos e todas. E se negou a atender o pedido da alma. E seguiu mais um pouco e se perdeu e se encontrou...
 
Para um dia de chuva de verão, meia janela aberta e uma música castelhana no ar.

Bom dia domingo, 03 de novembro de 2013
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 03/11/2013
Reeditado em 03/11/2013
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