Pode ser a gota d'água

"...Por favor/Deixe em paz meu coração /Que ele é um pote até aqui de mágoa/E qualquer desatenção, faça não /Pode ser a gota d'água ..."(Chico Buarque)

Me lembro nitidamente da sua presença pela casa. Não podia dizer que era presente, isto não era, mas estava ali a impor sua figura masculina aos meus olhos. Era apático, de poucas palavras. Do cigarro aceso pregado nos lábios eu me lembro como se fosse agora, a fumaça nublando o ambiente, os tacos mal colocados no chão do quarto, pintados pelas pontas acesas ali deixadas.No começo eu me irritava por esvaziar cinzeiros todas as horas, mas depois que a rinite se instala, o cheiro, a limpeza, e os pontos pretos nos tacos já não fazem mais tanta diferença. Lembro-me do seu copo cheio de cachaça , ah, ele estava sempre cheio, depois a voz alterada, o ciúme, as brigas, a garrafa vazia, e a noite mal dormida. Amanhecia, um bom dia sem graça, alguns minutos para preparar a marmita, e, eu olhava sentada num canto da cozinha, ele agia como se nada tivesse acontecido.Cruzava o umbral da porta, batia o portão e sumia na esquina rumo ao trabalho.

Certo dia ele encontrou a casa vazia.Até hoje me pergunto se teria notado alguma diferença.

Regina Sorriso
Enviado por Regina Sorriso em 17/11/2013
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