1- A expectativa, no tribunal, aumentou demais.
 
Era o momento das vítimas discursarem.
 
A Ignorância começou a falar:
_ A senhora a qual acuso merece receber a pena máxima, pois ela, a Ciência, afirmando desejar esclarecer as mentes, ousou eliminar toda a simplicidade sedutora que o meu coração nutria. Eu costumava me emocionar quando observava uma estrela cadente, fazia meu pedido sorridente, mas a impiedosa, igual a um monstro devorador, veio trazer informações irrelevantes e frias.
Após uma pequena pausa chorando, a Ignorância prosseguiu:
_ Eu não precisava saber que as estrelas cadentes nunca existiram, pois os astros luminosos jamais despencam. Eu dispensava a informação de que os meteoros invadem a nossa atmosfera, facultando o fenômeno o qual antes observava com total prazer e satisfação. E agora? Não são estrelas, não há mágica alguma na queda, os pedidos são fantasias estúpidas. Outrora eu era um bobo, eis a conclusão final, a “bondosa” contribuição ofertada pela Ciência.
Outra pausa, novas lágrimas, a Ignorância disse:
_ Crescendo o desencanto, a Ciência informou também haver estrelas as quais eu contemplava que já não existem mais, ou seja, elas são apenas ilusões visuais.
Uma pausa para respirar fundo e a finalização:
_ Apagando sonhos, fantasias, destruindo idéias as quais embalam a infância e seguem encantando os adultos, a Ciência, tão perversa, tão má, merece somente uma sentença, a condenação máxima já!
 
2- Chegou a vez da Inocência acusar a Religião.
 
A vítima, revelando serenidade, começou o discurso:
_ Senhores membros do júri, meritíssimo juiz, caros advogados, homens e mulheres aqui presentes, eu, antes de sofrer os danos provocados pela ré, conseguia sentir Deus nos campos, observando o mar, ouvindo uma música, conversando com uma criancinha, enfim, todos os detalhes maravilhosos da natureza facultavam perceber o Pai Maior...
_ Veio a Religião impondo dogmas, citando penas eternas, dizendo que Deus condena as almas pecadoras ou prometendo um céu enfadonho...
_ A Religião destacou homens vaidosos, com vestimentas pomposas, seres presunçosos os quais acreditam que falam em nome de Deus...
_ A Religião também realçou outras opções, porém vi falsos profetas brigando, atacando, caluniando colegas de fé...
_ Fiquei confuso, pois, se todos somos irmãos, por que tantos conflitos?
_ Citaram, substituindo o inferno, regiões dolorosas temporárias que sintonizam com a consciência culpada de cada alma, mas ninguém conseguiu expressar exatamente como seriam os locais celestiais.
_ A Religião, até hoje, só ressaltou a dor, a agonia, o desespero...
_ Seus adeptos querem exclusividade e ousam imaginar que possuem a atenção especial de Deus.
_ Eu não consegui mais sentir Deus, pois passei a ter medo, passei a seguir regras vazias, passei a procurar riquezas, a querer recompensas passageiras e desnecessárias...
_ Perdi a rota depois que segui a direção equivocada da Religião a qual sempre garantiu mostrar a estrada.
_ Desejo ainda reencontrar os passos os quais podem me reaproximar do Pai! A Religião me enganou, tirou a minha paz!
_ Peço que a punam com rigor!
 
3- A terceira vítima, a Tristeza, começou a falar contra a Poesia:
_ Eu não tenho mais espaço no mundo. Se a amargura incomoda os corações ou qualquer dissabor acompanha a jornada humana, surge a Poesia refazendo os ânimos e modificando o sentimento de desilusão.
_ Tudo parece não ser o que é. Conforme um importante comparsa da criminosa, nós podemos fingir dores e desencantos!
_ Se é assim, como posso executar a minha missão?
_ As pessoas, após a interferência prejudicial da Poesia, saem sempre fortalecidas, corajosas, animadas.
_ As metáforas fazem o infeliz esquecer as agruras.
_ Traição, solidão, doença, violência, preocupação não favorecem a minha presença. Lá está a Poesia, gentil, atenciosa, jovial, tranqüila, motivando o ser humano a amadurecer e aproveitar as inquietações para transformá-las em esperança.
_ Ninguém mais aceita a minha visita ou presença. Estou desprezada!
_ Ela, a Poesia, merece pagar. Não hesitem em puni-la!
 
4- Nove horas depois, quando o juiz finalmente proferiu a sentença, todos comemoraram.
A Justiça não perdoou as acusadas.
Ciência, Religião e Poesia receberam a pena máxima.
 
Ninguém ficou surpreso.
Realmente a tentativa de fazer perecer a Ignorância, Inocência e Tristeza ressaltou uma crueldade inaceitável.
 
* Agora nós podemos voltar a curtir as estrelas cadentes, repetindo os gostosos pedidos quando elas estiverem caindo.
* Agora podemos voltar a repetir os velhos hábitos religiosos, temendo Aquele que, há mais de dois mil anos, resolveu nascer aqui para nos ensinar o amor incondicional.
* Agora podemos retomar as lágrimas, pois, com a Poesia encarcerada, cessaram as luzes no fim do horizonte e desapareceu completamente a esperança.
 
* Agora podemos seguir ignorantes, inocentes e tristes.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 22/11/2013
Reeditado em 22/11/2013
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