Lembranças

Ninguém gostava de ver meu avô chegar antes de findar a arrumação da casa. Era só ele sentir o cheiro de cera na tábua corrida que vinha igual boi bravo, parava na soleira da porta e ralhava:

_Que bobajada é essa que oceis muié arruma.

E fazia questão de bater as botas sujas de estrume pela casa, oh velho tinhoso!E quando era época de bater o feijão ou o arroz era uma bagunça só, e voava bagos de feijão pra todo lado e nós tínhamos de catar os grãos que se espalhavam pelo quintal até encher os sacos pra mandar pra"venda"onde iam ser comercializados.Era só nós nos aquietarmos num canto da varanda brincando de algo sem importância pra escutar a trovoada:

_Vai ajudá sua vó com o cumê dus porco seus mininu.

E lá íamos nós encher as latas de cozido de abóbora com chuchu,feitos num panelão de bruxa, no fogão de tijolo constantemente aceso, e alimentar a pequena criação, que ficava debaixo do abacateiro.Eu adorava cutucar os leitões pra perto do coxo e brincar com eles , até o dia que acordei lá pelas quatro horas com uma gritaria só,era dia de matar um porco,e quando vi tanto sangue,fiquei uma semana sem comer carne. Uma semana e acabou-se a vida de vegetariana.

Eu amava tanto aquelas terras de meu avô que ainda hoje sinto o cheiro dela, misturado com o das folhas das laranjeiras, e das flores da beira do córrego e dos cafezais.Sinto falta daquele avô ríspido, daquela avó submissa que ia sempre uns dois passos atrás dele,era cômico vê-los saindo de casa rumo à igreja:

_Anda Marieta. Que moleza tira o pé do chão.

Eu sei que o tempo não volta, mas é muito bom voltar no tempo.

Hoje meus avós estão com 95 anos, ela um tanto esquecida, ele de cama por causa de uma queda, mas ainda estão firmes.

Regina Sorriso
Enviado por Regina Sorriso em 22/12/2013
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