Prosa_poética_n_1: Sobre o Arrependimento

O arrependimento tem duas faces:

é uma sensação da qual se quer livrar;

é um ato que suscita o libertar.

Arrependimento é a angustiante impossibilidade de anulação de algo consumado.

É o experimento natimorto de refazer o que já foi esfacelado;

É a culpa magoada da palavra que não deveria ter sido proferida ou do ato que não deveria ter sido perpetrado.

É a frustrante incapacidade de alterar a história.

É a teimosia impotente de esquecer um infortúnio que, tal e qual um prego torto e enferrujado fincado num pedaço de madeira, resiste em ficar registrado na memória.

Arrependimento é a ilusão doída e insensata de evitar uma causa já perdida.

É a necessidade de dar coerência à desrazão.

É a excruciante busca de corrigir o que se fez incorreto.

É o vigor débil de controlar o futuro incerto;

Arrependimento é a ferida aberta de uma disputa que já não se pode mais travar.

É a franqueza do afoito que faz envergonhar.

É a traição de nós mesmos, cuja intensidade dolorida lateja sem cessar.

É uma marca profunda e ressentida que somente a poeira do tempo irá apagar.

É o esforço de engolir o gosto amargo do alimento putrefato que o corpo quer regurgitar.

É o luto encabulado de um precioso momento que se desperdiçou.

É a excomunhão da felicidade da vida que se quer brindar.

É a mensagem de um poema cuja escrita se arruinou.

Arrependimento é também um meio de curar.

Uma oportunidade de se humanizar.

Uma possibilidade de, com o mundo, se reconciliar.

Uma chance de se redimir,

antes da terra nos consumir.

G_Bienenstein
Enviado por G_Bienenstein em 05/01/2014
Reeditado em 08/01/2014
Código do texto: T4637784
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