* Joaninha festejava a entrevista, não pretendendo disfarçar a grande alegria e ansiedade.
Finalmente ela falaria com o seu poeta preferido.
 
Na verdade Joaninha não conhecia outros poetas.
Ela se acostumou a ler somente aquele poeta.
Desde nova passou a seguir os seus versos, lendo todos os poemas que ele lançava, sorvendo e aplaudindo o estilo dele o qual tanto apreciava.
 
As metáforas utilizadas pelo poeta não a deixavam nem sequer durante os sonhos inocentes.
O inconsciente de Joaninha também era um fã incondicional do poeta.
 
Agora, vivenciando a satisfação de conversar com ele, a oportunidade única parecia um prêmio precioso.
 
* _ A senhorita sabe cozinhar?
A pergunta soou estranha, mas Joaninha respondeu sorridente:
_ Eu não sou uma especialista na cozinha, mas consigo fazer alguns pratos básicos.
_ Eu preciso exatamente de uma especialista, minha querida!
Joaninha ficou confusa.
“Ele precisava de uma especialista na cozinha?”
Até esse instante a jovem nutria a ilusão de que o poeta não comia.
 
_ Eu posso me esforçar na cozinha, poeta!
_ Joaninha, eu procuro alguém que possa me auxiliar limpando a casa, lavando as minhas roupas e preparando variados pratos gostosos.
_ Eu faço uma faxina básica na minha casa, costumo lavar apenas as peças de roupa que utilizo, porém posso tentar ajudar ampliando as minhas habilidades.
_ Agradeço sua motivação, mas você não será a minha ajudante.
_ Como assim, poeta?
_ Enquanto crio os meus textos, a poeira nunca pode me perturbar, as minhas discretas roupas precisam estar sempre limpas e devo ter os cardápios, já definidos para cada dia da semana, preparados com agilidade. Não dá tempo de esperar você aprimorar suas pequenas habilidades. O tempo é um elemento que considero sagrado, Joaninha. Sinto muito!
 
* Joaninha saiu abatida e indignada.
Sua mente jamais fantasiaria o diálogo concluído.
 
A mocinha imaginava que talvez surgisse a chance de discutir as suas poesias prediletas.
Ela, conhecendo toda a criação do poeta, indo e vindo, acreditava que possuía as condições necessárias as quais facilitariam essa espécie de discussão.
 
Contrariando as tão sinceras e nobres expectativas de Joaninha, o poeta não queria saber dessas questões.
Ele, frio e insensível, desejava exclusivamente contratar uma empregada eficiente, alguém capaz de limpar, lavar e cozinhar com perfeição.
 
Quando Joaninha leu o anúncio “Poeta procura uma ajudante dedicada. Seleção através de entrevista”, ela nunca sonharia com tais prioridades.
 
Irritada Joaninha tomou uma decisão radical.
 
* A partir daquele dia ela elegeria outro poeta.
 
No universo dos bardos, certamente existiria um poeta mais talentoso.
Não seria complicado descobrir um trovador habilidoso demais com as palavras, mágico fazendo as idéias ganharem vida e, principalmente, autêntico.
 
Ela encontraria um poeta incapaz de confundir a atenção com temas irrelevantes, um espírito sedento por debates profundos, desejando arrumar as frases formando os versos, almejando lavar a mente para evitar o sopro da inspiração falha e esperando comer os prazerosos pratos das figuras de linguagem.
 
"Nada mais de perder tempo com poetas enganadores e egoístas!"
 
Bastante convicta, pisando firme, erguendo a cabeça, sem olhar para trás, a destemida Joaninha atravessou a rua.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 27/02/2014
Reeditado em 28/02/2014
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