O Nascer do Sonho.

Desde que você se foi, eu não escrevo direito, não durmo direito. Não bebo, não fumo, não fomos. Desde que você se foi, dizendo que ia voltar, que não ia voltar: os relógios me (re)voltam, as amendoeiras me (re)voltam, os casais de pombos nas praças me (re)voltam, a ausência de suas (re)voltas me (re)voltam... Nas pílulas de você eu contava dias e horas e ciclos menstruais. E não só ali, mas no mostruário de dias e semanas, no monstruário atrás da porta, dentro do armário e debaixo da cama... O tique-taque do seu peito morto, e o seu fantasma agora em cima de mim. Fantasma que me assusta e me seduz, me acorda de noite e me tira o sono, que pescou minha alegria quando em vida, que sugou a felicidade como um tampão de banheira, no tempão homeopático dos nossos encontros. E então me encontro no meio de mim, a procurar qualquer-coisa de você, um cheiro um tato um paladar do seu sexo: onde a falta de nexo se dá em se esquecer aos poucos e se precisar relembrar de tudo. A alegria nada mais é do que alimentar a lembrança com a vivência e o calejo dos beijos, o roçar do ventre no vento... a chuva de cabelos no meu rosto. O orvalho do teu gosto. O quadrado perfeito de nossos corpos e pecados obscuros. O faltar de luz nos nossos olhos fechados, o silêncio das bocas costuradas entre si. O marejo do mar, a geada do sono. O poente do êxtase,

E o nascer do Sonho.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 19/03/2014
Reeditado em 19/03/2014
Código do texto: T4735962
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