A COLÔNIA

A família do seu Zezinho acabava de chegar do interior de São Paulo, naquela boca de noite de inverno, uma temperatura próxima de zero, eram meados de junho e a geada veio a cair na madrugada, todos quase não dormiram, pois o frio era estarrecedor e tinham poucos agasalhos.

No outro dia acordaram todos ressabiados, tremendo de frio, os meninos pisando no gelo que se formara por cima da grama, os pés descalços adormeceram de congelados, aos poucos, o sol disparara seus primeiros raios, aquecendo lentamente aquele dia demasiadamente frio. Dona Maria, a esposa do seu Zezinho, com ajuda da Eva, a única filha mulher, dos seis filhos que o casal tivera, também os meninos, ajudaram a ajeitar a mudança.

Aos poucos os vizinhos foram se aproximando da família e aquela sensação de estarem fora da realidade, como se fossem seres extraterrestre, aos poucos fora desaparecendo.

Seu Zezinho e família, deixaram a pequena cidade de Piacatu, no interior de São Paulo, para ir trabalhar na Fazenda alto Alegre, de propriedade do Sr. Manoel Pereira Ledo, residia na próxima cidade de Tupã, o patrão que custeara as despesas de transportes. E assim, seu Zezinho descarregara sua mudança ali naquela colônia, aquela noite de inverno.

Era uma colônia de casas em forma de “U”, com três ruas contendo doze casas em cada uma, ficando no meio um espaço quase todo desocupado, com apenas um campo de futebol, para o lazer dos moradores, que eram trabalhadores volantes.

Esses trabalhadores, recebia certo valor por produção, ou seja, por empreita, ou às vezes na diária, principalmente na adubação, mas na maioria dos serviços na entre safra, pagava-se um determinado valor por pé de café, que era a lavoura que se produzia naquela fazenda, durante a colheita, pagava-se por sacas de café colhido.

Fechando a quadra, ficava uma rua sem casas de trabalhadores, logo acima, encontrava-se a a sede da fazenda, composta da casa grande, onde residia o administrador, que assim era conhecido e todos os trabalhadores chamavam-no de seu Pereira, ninguém falava seu primeiro nome, era irmão do fazendeiro, homem forte com altura de mais ou menos um metro e oitenta e bigodes cerrados. Seu Pereira, era firme no tratamento com os trabalhadores, mas não era mal humorado.

Ali na sede também ficava um enorme terreirão todo cimentado, onde se processava a secagem do café, assim que chegava da lavoura, isso até ficar bem murcho. Este trabalho passou a ser executado por um dos filhos do seu Zezinho, que chamava-se Carlindo e procedia-se da seguinte forma: de manhã espalhava o monte de grãos de para que recebesse melhor o calor do sol, utilizando um instrumento artesanal que denominava-se “vaca”, construída por dois paus roliços de mais ou menos um metro e meio e a parte de baixo formava-se um estrado de uns oitenta centímetro de largura que funcionava como um grande rodo e era puxado por um animal, burro ou cavalo sendo macho ou fêmea. A tarde amontoava também utilizando a vaca e cobria-se com um encerado de lona.

O secador era um enorme tambor de forma cilíndrica onde se colocava o café para terminar a secagem, com um eixo central para girar o tambor, como um enorme torrador que erqa impulsionado por um motor a diesel e embaixo uma espécie forno a lenha para o aquecimento.

Na colônia moravam 36 famílias, pessoas vindas de diversas regiões do Brasil, o seu José um baiano que recebera o apelido de Zé Coqueiro, devido a sua estatura com mais de dois metros de altura, um senhor bem humorado, sua esposa dona Angelina, duas filhas: Iracema e Nazareth e dois filhos: Antônio e João. Seu Zé Coqueiro era muito brincalhão, a todos os rapazes que tinha irmã moça, os chamava de cunhado. Mas os rapazes a chama-lo de sogro, que por sinal suas filhas erma duas lindas morenas de olhos verdes, corpinho bem delineados, com tudo no lugar, ele dizia: “de soco eu te mato, “ mas tudo no deboche, não era um velho ranzinza. Trabalhavam os cinco na lavoura, o pai e os quatro filhos e filhas que na colheita eram um arraso, os que mais produziam por dia.

O seu Laurindo, pernambucano de poucas palavras, era o pai de Saturnino, a Dalvinha e o Orlando. Apenas o saturnino acompanhava o pais à lavoura, o Orlando apenas estudava, brincava e levava a comida ao pai e irmão no eito, a Dalvinha menina muito delicada e meiga, um pouco tímida e muito linda, ajudava a mãe na labuta de casa, toda a família eram de pele clara e cabelos e olhos castanhos claros.

Sempre a noite o Saturnino e Orlando se juntavam aos demais filhos dos outros moradores para brincar de salva e outras brincadeiras, seu pai preocupado, pois tinham de levantar muito cedo para o trabalho, quando passava das dez da noite já gritava o filho, com sua voz característica e que ficou conhecida por todos pelo seu timbre forte e meio rouco, que dizia: Saturrino, assim chamava o filho, “vem bora durmir muleque”. Assim sem nenhum questionamento, Saturnino e Orlando se despediam dos colegas, rumando pra casa e todos paravam de brincar e cada um seguia seu rumo.

O seu Zé Mineiro tinha apenas uma filha por nome Tereza e que todos chamavam-na Terezinha, uma mulatinha de cabelos pretos, crespos, alisados e pela altura dos ombros, dois olhinhos muito vivos e negros que pareciam bolinhas de gude, que dançavam na cavidade ocular, estavam sempre brilhando e atentos, girando em todas as direções. Seus olhos muto vivos, demonstrando um espírito muito alegre e mesmo sem nenhuma malícia, que em seus quinze anos ainda guardava toda pureza e ingenuidade de menina, mas nada de timidez. Por sua disposição, espiritualidade e a beleza de um rosto arredondado, mas queixo despontado e com covinhas ao nas bochechas que se formava quando sorria. Corpinho bem feito, tudo nas devidas proporções. Era mesmo muito bela e exercia demasiado fascínio nos meninos e certa liderança com relação às meninas e assim era admirada pela galerinha.

Nos finais de semana, as noites eram mais animadas: as moças, os rapazes e a garotada, uniam-se para brincar de roda, passara anel, brincar de mês e outras brincadeiras, sempre todos juntos e animados pela gentil e sapeca Terezinha, que sugeria e animava as cantigas e as brincadeiras sem músicas.

Entre os meninos, um dos mais animado era o Joãozinho irmão do Claudomiro, filhos do João Alagoano e Dona Carmosa, a que fazia deliciosos requeijões de leite de cabra. Joãozinho sabia muitas histórias de reinos encantados, serpentes e dragões, com valentes heróis que venciam essas feras e ainda outras tantas histórias mais. Gostava também de pregar sustos nas pessoas, principalmente as moças, geralmente mais medrosas que os homens. Embaixo da saia, bem no tronco dos pés de café, encontravam-se sempre pequenas cobras não venenosas, denominadas de cobras dormideiras, pos ficavam sempre dormindo, quietinhas enroladas bem no tronco da árvore cafeeira. O menino, no final da tarde, pegava uma dessas cobras e a colocava no bolso levando-a para casa. A noite saía com a cobra oculta na mão e cumprimentava as pessoas que ao tocar no pequeno réptil, tomava um tremendo susto.

Gervásio e Genésio, eram os dois irmãos violeiros, filhos do Pedro Paraiba, cantavam e tocavam muito bem, tinham um casal de viola, ou seja, uma viola e um violão, que com maestria, Gervásio, ponteava a viola enquanto Genésio o mais novo, o acompanhava fazendo a base com o violão. Tinham um timbre de vozes que se confundiam com as vozes de Zilo e Zalo, dupla caipira de muito sucesso na época, assim com a admiração de todos, entoavam as canções dessa dupla e de outras como Liu e Léu, Zico e Zeca, Tonico e Tinoco entre outros. No DNA, da família do Pedro Paraíba, o veio artístico musical era característica da família, todos gostavam de cantar e ainda destacava-se mais uma dupla infantil, um casal de criança que cantava e encantava a todos os moradores, eram Gerson com oito anos e Jéssica com apenas seis anos de idade e tinha timbre lindo de voz de um invejável agudo e o menino uma segunda voz que casavam com perfeição. Na colheita do algodão, as pessoas até paravam de trabalhar para ouvi-los cantar.

Seu Aniceto, descendente de italianos, que vieram para o Brasil no ciclo do café, era o pai de Suzana, a linda loira que tentava esconder sua beleza e feminilidade nos trajes de camponesa. Suas longas madeixas douradas, sempre enroladas sob um lenço, embaixo do chapéu de palha. O lenço que protegia os cabelos escondia a beleza do seu rosto, destacando apenas os lindos olhos azuis. Os braços bem contornados, sempre escondidos pelas mangas compridas da blusa de um tecido rústico, as mãos enrijecidas pelo cabo da enxada, perdera a maciez. As coxas grossas, macias e sedosas, tão brancas como leite e as pernas de igual maciez e brancura e tão bem contornadas, sempre escondida pela saia rodada e longa sobre a calça comprida ou perneiras e as curvas sinuosas de seu corpo sempre disfarçadas pelas roupas folgadas, que ocultava até o volume de seus seios bem redondinhos e macios, com bicos rosadinhos e volumosos na devida proporção. Acredito que Domingos Olímpio, autor de Luzia Homem, inspirou-se em uma mulher semelhante à Suzana.

A bela Suzana com sua beleza incomparável, sempre escondida sobre aqueles humildes trajes, se destacava pela sua força, habilidade e destreza no trabalho, que superava até mesmo a maioria dos homens. Pegava ela sozinha um saco de café, feito de um tecido tipo lona que cabia em média cem litros de grãos, denominado de “saco coronel”, cheio de grãos verdolengos e o jogava nas costas e o conduzia até o carreador. Alguns rapazes não aguentavam esse peso e os que o aguentava precisava de ajuda para coloca-lo nos ombros. Além de se destacar na força e habilidade, no balanço da peneira, no manuseio do rodo, da enxada, no rastelo e outras ferramentas, era respeitada também na queda de braço. Dizem que somente o Claudomiro conseguiu vencê-la nesta luta, esta era a encantadora Suzana.

Assim era formada a população daquela fazenda, por essas famílias mencionadas e mais outras trinta famílias incluindo o seu Pereira, o administrador, que morava apenas com sua esposa, tinha um casal de filhos que viviam em São Pulo: a moça Ana Paulo cursava Medicina e o rapaz, Eduardo fazia o curso de Direito. Os jovens filhos de seu Pereira vinham apenas de vez em quando passear ali na fazenda, como também o jovem Vespaziano, filho do fazendeiro, enquanto o Sr. Manoel Ledo, o fazendeiro, eram mais frequentes as suas visitas. O fazendeiro pouco interagia com os moradores, ficava na casa do irmão e passeava no meio da lavoura em sua companhia.

CEZARIO PARDO
Enviado por CEZARIO PARDO em 20/03/2014
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