UMA SALA DE ESPERA

Parecia o som de um piano. Algo que já ouvira muito tempo atrás, quando fazia sentido sentar-se sozinho e esquecer que o mundo era feito de todas essas coisas feias. Mas o fedor de tudo em volta deixa o corpo impregnado. Ficando cada vez mais difícil ser indiferente. Não, o som do piano não fazia mais o menor sentido. Tantas eram as preocupações com a marcha para a morte, que perdia-se aqui e ali alguma nota importante da música. Ficava o gosto amargo da boca e a sensação de algo que foi arrancado de si, sem a menor possibilidade de alívio.

Na parede da sala branca era flagrante o vazio. As paredes eram as principais testemunhas de uma música sem nome. Algo que não pertencia aos acordes e escalas da música audível. Alguma coisa que precisava ser inventada. Mas o que seria?

Com o tempo, entende-se que se nada é irreversível, também não é definitivo. E por isso mesmo, quando o último acorde soou, a sala retornou ao seu estado original: um hiato no tempo, feito para a espera.

As botas do homem que esperava, passaram a fazer algum barulho enquanto caminhava para fora. E deixando para trás a inconformidade e a ânsia, decidiu nem fechar a porta. Aquele cubo branco não o pertencia. Era alheio e indiferente. Assim como seu próprio corpo. Um provisório receptáculo para a consciência, emprestado pela natureza.

Não pertencer é o que mais se aproxima de uma explicação para a vida. E quando o homem partiu, deixou parte de suas dores em modo de espera. Pois sempre haverá uma ilusão vaga em um mundo vazio ou uma sala de espera.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 18/04/2014
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