QUANDO VIER A PRIMAVERA


         




Quando vier a primavera, 
se eu já estiver morto, 
as flores florirão da mesma maneira 
e as árvores não serão menos verdes que na primavera passada. 

A realidade não precisa de mim. 

Sinto uma alegria enorme 
ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria 
e a primavera era depois de amanhã, 
morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 

Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 

Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 
e gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 

Por isso, se morrer agora, morro contente, 
porque tudo é real e tudo está certo. 

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. 

Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. 

Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. 

O que for, quando for, é que será o que é. 



(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)


 
Alberto Caeiro
Enviado por Wilson Madrid em 06/05/2014
Reeditado em 07/05/2014
Código do texto: T4796018
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