Vagos

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Que eu tivesse a leveza nas mãos, que a poesia voasse pela loucura dos dias, que alçasse o vôo das águias em caça, o vôo do condor em sua magnitude.

Que esse dragão no meu peito não queimasse minha própria carne, não fizesse a sangria, não me levasse à derrocada, não me curvasse à qualquer dor. Esses pequenos movimentos, os batimentos... quisera ungüentos, quisera talvez, o bálsamo. Tantos planetas em meus olhos de estrelas e em seu brilho o deságüe inalterado, ininterrupto, como as cachoeiras. Ah, quem me dera que a cordilheira não fosse tão alta e tão íngreme. Quem me dera não ser tão orgânica, nem tão passional. Quem me dera apenas humanamente amar. E desabar, desabar...

Ter quem me prestasse contas da revolta do frio, do impasse de não ver o sol e clamar por ele não escurecendo ainda mais um pôr-de-sol que não houve, sem esses olhos cegos de não ver, sem o vento gelado endurecendo o rosto sem um sorriso. Ah, quem me dera eu mesma me seguir, ir ao tronco e conseguir me açoitar e depois ficar numa convalescença macia de prazer e sorrisos fartos, de gozos e qualquer coisa entre o cio e a capacidade de parir.

Transpor o portal e ir mais fundo no espaço cristalizado de um espelho. Visualizar a poesia e poder tocá-la com a ponta dos dedos e voltar translúcida desse deserto. Quebrar, estilhaçar e ver que um pequeno pedaço ainda mostra o espelho todo.

Que eu tivesse a delicadeza de uma leoa lambendo a cria e não a fúria de uma pantera negra enjaulada policiando a trava das grades. Que não houvesse a solidão de explodir, que minha candidez não houvesse sido pisada. Que a palavra ainda fosse poesia.

Alma Nua

(Vander Lee)

Ó Pai

Não deixes que façam de mim

O que da pedra tu fizestes

E que a fria luz da razão

Não cale o azul da aura que me vestes

Dá-me leveza nas mãos

Faze de mim um nobre domador

Laçando acordes e versos

Dispersos no tempo

Pro templo do amor

Que se eu tiver que ficar nu

Hei de envolver-me em pura poesia

E dela farei minha casa, minha asa

Loucura de cada dia

Dá-me o silêncio da noite

Pra ouvir o sapo namorar a lua

Dá-me direito ao açoite

Ao ócio, ao cio

À vadiagem pela rua

Deixa-me perder a hora

Pra ter tempo de encontrar a rima

Ver o mundo de dentro pra fora

E a beleza que aflora de baixo pra cima

Ó meu Pai, dá-me o direito

De dizer coisas sem sentido

De não ter que ser perfeito

Pretérito, sujeito, artigo definido

De me apaixonar todo dia

De ser mais jovem que meu filho

E ir aprendendo com ele

A magia de nunca perder o brilho

Virar os dados do destino

De me contradizer, de não ter meta

Me reinventar, ser meu próprio Deus

Viver menino, morrer poeta