SEM TÍTULO

“HOJE EXECUTAREI MEUS VERSOS

NA FLAUTA DE MINHAS PRÓPRIAS VÉRTEBRAS”

V. MAIAKOVSKI –A FLAUTA-VÉRTEBRA

“MESMO PORQUE AS NOTAS ERAM SURDAS

QUANDO UM DEUS SONSO E LADRÃO

FEZ DAS TRIPAS A PRIMEIRA LIRA

QUE ANIMOU TODOS OS SONS”

CHICO BUARQUE- CHORO BANDIDO

No princípio era o Verso. Habitava as profundezas dos oceanos, as entranhas da Terra, acima das mais altas nuvens e montanhas. Era distante, vago...Não se deixava conhecer...Oculto, envolto em breu.

Era impenetrável, insano. Sua face luminosa era ofuscada pela luz do Sol. Mas também era parte das entranhas, dos desejos, sonhos, incubos...

Era vadio, sem utilidade. Não servia de moeda de troca, não servia nenhum senhor ou patrão...

No princípio era o Verso. Marcando lentamente nossas quimeras, surgia nas horas vagas e também nas mais impróprias. Umas vezes era luz, muitas outras pura escuridão. Raros outros tons o permeavam.

Era cruel, implacável. De uma sadia loucura, libertava os velhos medos, as lentas agonias, das pequenas futilidades do cotidiano. Muitas vezes, porém, era livre, libertário, anárquico...vendaval derrubando cercas, muros fronteiras.

No princípio era o Verso. Um deus sonso e ladrão, roubando o fogo dos céus...forjando palavras e canções...na flauta de suas vértebras. Numa melodia transformava, transmutava, metamorfoseava... a dura realidade, a nossa pequenez. Abria portas, janelas...

No princípio era o Verso. Mas o Verso fez-se Homem...E o Homem-Verso matou deus com um olhar de desprezo...

DARWIN FERRARETTO
Enviado por DARWIN FERRARETTO em 06/09/2005
Código do texto: T48118