Mudar é humano

Eu sinto fome. Eu me alimento, eu penso, eu passo um café... Com a fé do tempo, que parece nublado. Nas manhãs, a cama tem sido um episódio difícil de superar. Eu podia sofrer, mas ando com preguiça de me preocupar. Parece que eu mudei, estou me mudando, e fui mudada. Me emudeci. As horas passam mais longas, e os dias menos importantes. Ando sem planos e os rumos não são tão claros – são raros. Eu atendo a ligações, algumas cobranças, algumas lembranças, poucos convites. E meu convívio é agora restrito, caminhando apenas roteiros que eu sinto. Passado o passado de aventuras erradas, vida piada... O que importa é o agora, os quens de agora, sonhar por hora. Cada centímetro vivido é menos estrada; cada silêncio seguido é palavra guardada; e o que guardo no coração é coisa rara – rarefeita e quebrada. Os sonhos lindos eram contos-de-fada. A casa quente acaba na calçada. Fora mim, o distúrbio e o mundo... não sobra nada. Nada.

Nada me faz esquecer do novo, que é só o velho repaginado. Nada traz o gosto do cheiro molhado, nem a vaga noite em que aprendi pensar. Era no escuro que algo surgia... na orgia louca que é delirar. O desejo acordado à flor-da-pele, o melhor por não se poder realizar. Quem se realiza perde toda a sorte, graça que não há de achar em algum lugar. Não há lugar no mundo para quem se encontra; como se perder se nem se importar? É difícil cada vez mais fazer sentido... E os sentidos tendem a nos enganar. A visão do inferno quase que nos frustra, tanto mais familiar ao nosso olhar.

Nessa ida eu acordo. Nesse vão eu durmo. Não vai ser fácil me convencer. A felicidade é uma gota d’água, tão simples e que seca rápido, que às vezes cai em temporal e em outras demora a chegar. Parece que ser paciente é a opção. Sem ser passiva... mas como prática do coração, como construção. Estar sozinha é relativo: há muita gente no mundo, que nem se importa. Há pouca gente que moveria o mundo pra ajudar. Mas somos fracos, frágeis... São poucas portas pras quais temos chaves, e poucas portas que se abrem ao bater. O coração bate ao ritmo desenfreado da vida, da cidade, da lida. A minha sala é um espaço inteiro a se contemplar, reflete o que vem de dentro, acalma o que vem do medo, contém essa raiva que mora na incerteza... só pra confortar. Quero um sofá macio e olhos contemplativos, críticos e admirados, que possam se deslumbrar. Pra não dizer sempre as mesmas coisas, as mesmas troças, lamúrias e apostas.

É como caminhar no molhado, morar na casa ao lado, mas fora de si. Como olhar de fora sem perder a hora certa de acordar. Porque viver de verdade nesse dia-a-dia, exige um real despertar.

Fogo Selvagem
Enviado por Fogo Selvagem em 24/05/2014
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