Cheiro de chuva

“O tolo come os hambúrgueres de sua sina”

(Jack Kerouac)

Ouvi outra vez aquela canção... Toquei aquele discos tantas vezes!

Respiro seu ar; conheço seu tempo e todas aquelas faixas brilhantes

Hoje, velho acordado, bocejo; ontem, sonhei que estava num museu

Empoeirado, cheio de ácaros; sonhando que ouvia música, sonhando que era jovem!

Sonhando que estava num museu descobrindo as mesmas coisas velhas...

Descobrindo velhos segredos à mostra e comendo um misto-quente!

Pessoas conhecidas cochicham bem à minha frente... Não querem que eu as ouça, são prudentes!

Também não quero que me vejam comendo fast food de pé, sem guardanapos!

Comida calórica com maionese e quase tudo naquele cardápio começava com X!

De longe, posso ouvir os vidros de benzedrina se quebrando... Cerro meus dentes!

Agora, café e refrigerantes, piadas à lua; vagando, passo em frente ao bar de um homem só...

Olho para dentro e sou xingado; no jornal do dia seguinte lerei a manchete...

“A pior seca dos últimos tempos” - O rio está secando, que tragédia!

Sobre o fato d’ eu estar cheirando chuva, não sei lhe explicar...

Já estou seco faz tempo; sem dinheiro e ainda não bebi o suficiente; faz tempo...

Que não chove por aqui, tenho sede de água, água da próxima chuva...

Da água doce que rodeia a cidade e ninguém mais escreve em Miguelópolis!

Aqui, só se fala em falcatruas e notas frias, cheques sustados e falsas apólices!

Noutra esquina, vejo políticos conversando, me olhando... Vindo em minha direção!

Põem as mãos nos lábios, não consigo lê-los; mas sei o que dizem...

Como vão recuperar o dinheiro investido nas eleições passadas?

Como vão ostentar seus carros, seus anéis, suas amantes e suas mansões?

Um Zorro sombrio vaga na noite em busca de provas... Quem ele é?

Quem ele pensa que é? Um justiceiro? – Será que precisam de justiceiros por aqui?

Eles, os outros, são tão espertos... Mais espertos que o pobre Zorro sem máscara e sem capa!

Não há provas, nem algo no ar, não há evidências; afinal, esta cidade nem está no mapa!

Não há pistas de nada; obrigado por me pouparem o tempo!

“O segredo do tempo é o momento”¹ já dizia a raposa legisladora...

Eleito tantas vezes pelo sufrágio universal, profissional das urnas!

Desde a época das cédulas... “O segredo da vida é a morte”², já dizia o poeta maldito...

Lá, onde se mata pelo poder... Meu São Benedito! Onde se morre de enforcamento!

Um momento... Estão digitando os números; o povo já decidiu quem vai ficar!

Quem vai sair, quem vai entrar? Estou pensando que não adianta mais contestar!

Da ignorância vem o poder, a dor dos humildes não faz suas cabeças doerem?

Quem há de ser, o herói do Vale do Rio Grande³, que libertará-nos dessa enorme podridão?

Ao final do dia as urnas estarão cheias dos mesmos votos?

Eis que chega o crepúsculo; fim de tarde, aguardemos a apuração...

Sem escrúpulos as raposas estão sorrindo, o povo se dividindo e os porcos coçando suas enormes barrigas!

Enfim, o resultado que tanto me intriga... Ah não! Respiro fundo me resignando...

E, na companhia do Mestre, cansado das derrotas, de mãos dadas, em silêncio, vamos caminhando...

¹Extraído de: O Diário de Jack Kerouac (1947 – 1954).

²Extraído de: Canto para a minha morte: Paulo Coelho & Raul Seixas.

³O Rio Grande margeia a cidade de Miguelópolis na região nordeste do Estado de São Paulo. Miguelópolis é uma cidade que fica a 456 Km da capital do Estado.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 03/06/2014
Reeditado em 08/03/2015
Código do texto: T4830947
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