Inclinação para amar

Doces momentos outrora vividos num extremo cansaço intelectual, mostram as verdadeiras realidades contidas nos sentimentos alheios a minha vontade. E assim vai surgindo outros pensamentos capazes de atormentar a razão e os imperativos que até então eram inquestionáveis. Numa realidade bendita interpretada pela função inesgotável do homem em ser o que de fato o existir se corresponde ao eu, toma posse do corpo uma estranha sensação de “necessidade”. Nas idas e vidas de pensamentos, emoções, aparições de desejos e nos mais profundos encantamentos da alma sedenta pelo divino, encontra-se uma louca inclinação para o amor.

Doce encontro e reencontro desproporcional quando em vários momentos surge tal expressão ao mesmo tempo dolorosa e de felicidade inigualável. Por um momento está presente, com força não maior que uma mão possa ter. Em outros instantes o amor vem como uma bomba e estoura mesmo no lugar mais frágil, debilitado e em processo de fragmentação. São os paços perdidos e encontrados da vida bendita que alcança o cume de sua existência terrena, maestrada pela proposta advinda de forças superiores as suas, capazes de fornecer um novo sentido para a sua existência.

Delicado, muito delicado. Progresso em curso para o encontro fatal, o coração se dilata e se contrai em um dado tempo repentino capitulado pelas energias externas à esta parte do corpo, promovendo uma ação/reação que embala e abala todos os outros órgãos para uma real modificação de tudo que fôra planejado. Sem que nada pudesse ser mais além do que sua vitalidade, o amor age em todo o ser, garantindo até certo ponto, a vida à própria vida alvo central de suas investidas. Garante, mas não se responsabiliza quando o tiro sai profundo demais e atinge o ego, maltrata a liberdade, corroendo a auto-suficiência, fazendo com que aquele que antes vivia só, não consiga mais sustentar-se na solidão, mas irrevogavelmente necessite do outro que se é amado. Loucura, ambição, desastre e ao mesmo tempo irresistível realidade do amor que busca somente a existência total para si e nada mais – como se existisse mais alguma coisa além disso!

A verdadeira obra do amor é existir por si próprio. Ele não precisa de nada para viver e sobreviver nos corações que dele carecem ou está cheio, e a única coisa que necessita para aparecer, surgir no lugar onde havia espaço para sua penetração é uma faísca... um simples pequena e sutil faísca provocada por seja o que for e o que não for, não sendo muito mais do que um “motivo”, é justificado para iniciar a jornada até certo ponto despretensiosa da agulha por onde passará tal reação insuportável do ser. O amor é o conteúdo de uma vacina que toda a humanidade recebera ainda em sua concepção, dando imunidade a todo o corpo e aos órgãos humanos para não vir a falecer quando for atacado por este vírus multabílissimo e ao mesmo tempo impossível de ser retirado do ser quando este é afetado. Logo, os anticorpos presentes na vacina, promovem não a prevenção de tal mau, mas a condição de poder viver com este “mau” na medida da estabilidade da vida que o recebe.

Dotado de defesa, a própria ação de fuga do corpo diante do amor inevitavelmente vindo ao seu encontro é o confronto. Que arte mais mirabolante a do ser que se inclina em direção ao que lhe causa a ruptura de si/consigo para viver um si/com’outro? Este é o efeito amor, doloroso amor! Que provoca instintivamente a extrema necessidade de não se querer mais estar só ou de achar que não dá mais para ser um ser-consigo, almejando a partir de então ser ser-com’outro na medida sem-medida do amor. Quase sendo da natureza humana, mas sabemos, adveio de uma vacina imunizadora, o amor se realiza e se constrói no ser do homem enviando sobremaneiramente estímulos de descargas sentimentais capazes de ativar tanto no cérebro, quanto no coração a doce e saborosa sensação de estar-se louco por alguém. De tal percepção, nasce a paixão.

Louca e apaixonadamente um sentimento capaz de romper as barreiras da prudência e da cautela absorve toda a racionalidade humana, deixando em sua ausência uma faculdade dotada de conteúdo sobrenatural e extremamente buscada por todo o ser. É irresistível e muito superior ao que podemos chamar por sentimento, provocando a mais das espetaculares inclinação para amar.

Padre Hugo Galvão
Enviado por Padre Hugo Galvão em 17/05/2007
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