Para o parapeito da janela, simplesmente debruçou os sentidos.
Havia uma pressa à margem dos quereres, algo que nunca havia dito ou escrito. [ Mesmo que escrever parecesse mais cômodo do que dizer ; o que, na verdade, as pessoas nunca escutam... ]
 
O telefone tocava repetidamente enquanto ela forjava pássaros sibilando agudos floreios aos ouvidos.
Não precisava das palavras, nem mesmo das próprias. Precisava do mergulho e do toque. Precisava da liberdade e talvez d'algum regresso.
 
Ouviu acordes soarem ao longe e pôs-se, íntima e despretensiosamente, a dançar.
Os pés pareciam não tocar o chão ; a solitude parecia não lhe pesar nos ombros, nem nas vagas dos braços. Talvez o perfume a infância voltara a contornar os passos com fluidez.
 
Entre o corpo que rodopiava e a alma-menina que estendia suas asas, sentiu uma brisa morna sugar-lhe a vida  por entre os veios dos arrepios. 
Olhou novamente pela abertura e, antes que se acendesse o rastilho
do coração, segurou firme nos alicerces dos sonhos e lançou-se às águas frescas que vertiam aos cântaros dos céus.
 
E choveu viço entre as ramagens da pele e dos olhos de horizonte. Choveu alacridade nos doces pés em valsa, vergando o pudor, soltando sorrisos por sobre a sede que a vida lhe acolhera.
E choveram luas nos poros, constelações nas veias - todo um universo vibrando às partículas -
 
Retornou à soleira da porta, enrolou-se na nívea toalha, atirou-se na cama. Apanhou caneta e papel e, com a verve plenamente estrelada, desejou escrever toda a poesia que lhe beijara a face àquela tarde chuvosa.
Então olhou mais uma vez à ombreira da alma e apenas suspirou sob o curso do pensamento :

 
... Ahhh... nem sempre a folha suporta a palavra...








 

 
DENISE MATOS
Enviado por DENISE MATOS em 19/09/2014
Código do texto: T4967926
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