O último recado
Embora ele não pudesse ver ela chorando conseguia ao menos sentir sua mão pousada sobre sua testa.
Naquela situação tudo que o tocava parecia como plumas afagando uma camada de gesso grossa, na qual ele estava imerso.
Havia uma semana que ele estava em coma e ela fazia vigília ao lado do leito.
Por que você jogou tudo para o alto? Por que apostou tudo? Toda nossa vida Julian.
Os pensamentos não a deixavam.
Ela tinha tantas perguntas e dos olhos brotavam gotas de desabafo.
Julian? E o nosso filho?
À exatamente sete dias atrás ele em um impulso pegara o carro e saíra decididamente sem rumo.. Não pretendia voltar e não voltou.
Em uma curva acentuada sem placa o ford que fora do pai perdeu a direção e na mesma hora a pupila de Julian dilatou.
À frente, um precipício de uns oitenta metros, mas tudo que ele conseguiu foi ver seu filho encolhido na sala chorando e a esposa com o celular ao ouvido tentando desesperadamente contato com ele.
Em câmera-lenta ele desviou o olhar para o banco do carona e viu o nome da esposa na tela do celular.
Nesse instante o carro já rompera como uma faca a cerca precária da estrada e como um pássaro planava sobre o abismo, descrevendo as poucos uma parábola fatal.
Me perdoe pequeno príncipe foi a última coisa que brotou dos pensamentos de Julian antes que o carro se chocasse contra as pedras.
Hoje, sol poente de quinta-feira ele estava ainda lá, revivendo a descida mortal no leito daquele hospital.
Ele estava diferente naquela quinta.
Estava radiante, talvez.
Dessa vez ela sentira um calor vital fluir entre os dedos ao tocar a pele do marido.
Com todo cuidado ela se agachou, aproximando-se do rosto dele.
Os cílios dele balançaram e aos poucos se abriram como um botão de rosa.
O coração dela gelou e os olhares então se encontraram.
Julian a olhava, sim, ele estava lá.
O sorriso começou a nascer nos lábios de Helena.
Porém se deteve ao perceber que Julian chorava.
A seiva que emanava dos olhos dele possuía um brilho diferente, como se fosse parte de sua alma.
Ela tentou tomar as gotas entre os dedos e devolvê-la aos olhos dele.
Não Julian, por favor...
Um leve sorriso brotou no rosto dele, mandando uma mensagem clara..
Cuide dele Helena, é tudo que nós temos.. Enquanto a pupila de seus olhos fez-se em uma grande bola escura.