A CARTA QUE NUNCA CHEGOU...

O som do vento seco e frio se estende além dessas planícies verdes, até por cima do rio... Daquele mesmo rio onde banhávamos: eu, você e nossos sonhos mais intensos. É imenso este universo a qual me oprimo, eu vivo por aquelas lembranças, só por aquelas lembranças, me embriago no vinho e no passado, por que o passado nem sempre é gentil, e também nem sempre é hostil... Mas eu preciso que mencione a importância que causei em sua existência, essa essência que só nós saberíamos descrever, mesmo na ausência de palavras, de sons, de cores, pois o olhar, esse sim estaria proposto no esboço de teu rosto fino e macio... Mas agora a única sensação a qual me relevo é este frio, que é tão frio... Tão frio. Esse paradoxo é constante, e essa semelhança não pode ser meramente coincidência... o mármore do chão e a beleza de seu coração, e também a insolência deste inverno, "-Que inferno! Quem os uniu?" Esse mármore e esse inverno são tão belos, mas são tão frios... tão belos, mas tão frios.

No ápice da solidão, da saudade à exaustão, as palavras fluem e flutuam na imensidão do que é pensar e repensar em ti, meus atos, teus atos, se refletem aos maços que logo exculpem no aço a imparcialidade da saudade, que ao mesmo tempo, me mantém tua imagem, teu cheiro, tua arte de me fazer sorrir; mas que também traz inúmeras dores, mas mantém vivo as flores mais belas que você adorava, no jardim ao lado da capela, e me faz lembrar que rosas não suportam o frio, mas mesmo assim ainda florescem nesse coração cansado, que deixa de lado a dor, só pra não se esquecer do amor que um dia você me deu, e que prometeu constantemente me provar. "-Pois então me prove!" E até me reprove, pois esse amor sereno e sincero é uma lição que só você pode me ensinar...

Os sinos da capela soam ao longo das montanhas, expondo notas numa melodia singela, assustando os cavalos sem cela, borbulhando em comentários da fiel clientela, inspirando o ingênuo pintor ao tocar sua tela, propondo à borboleta mais bela a desafiar o inverno pra sentir o aroma suave das últimas rosas... "-Ah esse amor", que me deixou saudades, a música rústica da velha cidade, molda essa minha parcela, de dor, que deixou seqüela, deixou lembranças, nos tons, nos sons, no perfume cravado em teu lenço, que dança ao cenário cinzento, perto da janela...

Já se passaram alguns anos, eternos anos enquanto passaram... Passaram, passaram e ainda continuam a passar... Amar, esperar e não esquecer, tantas são as possibilidades das palavras que em uma carta zombam de minha velha e antiga dor... Lembro-me de quando você chegou, tarde nublada de outono, a dor era visível em teus olhos chorosos, tuas mãos segurando um lenço de superfície porosa, o preferido de sua mãe antes que a grande guerra a levasse, assim como seu pai; caminhando calmamente pelas ruazinhas de pedras que costuravam a vila, rumo a casa de sua tia, na esperança do aconchego, na busca por um abraço, um beijo, um calor humano que talvez a consolaria... Então foi ali que percebi que nunca mais a deixaria partir, nunca mais a deixaria se sentir só... Ainda que não entendia tal sentimento que borbulhava dentro de mim, mas sabia que aquele "encontro" não aconteceu ao acaso, pois pessoas não se encontram por acaso, às vezes é preciso acontecer tantas coisas pra duas pessoas estranhas se encontrarem, muitas vezes até muitas tragédias, mas precisam acontecer para compensar o sofrimento, o enfraquecimento da vida, para juntar essas duas pessoas em um sonho único... É como em um poema... onde a terra gira em torno dela e de nós, só pra nos juntarmos*...

Da nossa infância, ficou a fragrância de nossos atos, nossos medos no enredo substancial da imensa e infinita roda da existência, peço clemência, não me deixe partir, não antes de vê-la novamente e permanentemente sorrindo pra mim... Aquele sorriso, aquele sol que nos observava facialmente e iluminava além das montanhas, inspirava novas façanhas, e convidava gentil e subitamente os nossos coraçõezinhos ao até então desconhecido, e nossa inocência mantinha a essência mais sublime das treze notas do amor sincero e mais puro, assim como em um perfume, onde a cada nota, a cada gesto, a cada detalhe o amor era acentuado a uma nova e mais sublime fragrância. Assim como sempre, o tempo continuou a passar sem tréguas, o vento soprava, trazia o inverno, e a neve saltava entre as casas; o sol nascia e trazia o verão, o calor e a paixão; a flores brotavam na imensidão do horizonte e transpiravam o pólen além de nossas fronteiras e nos levavam a uma nova era, a então chamada primavera; o céu nublava, o vento soprava mais sutil e gelado, um pouco ardil e calado e convidava as folhas a cair, dando lugar a uma nova origem, observando nos dava até vertigem, deitados em baixo do carvalho, eu e você, esperando o sono, a noite vinha, juntamente com o outono... E foi assim por alguns anos, até que dos olhares, dos sorrisos ingênuos brotou um beijo, aquele desejo de manter viva aquela sensação além até mesmo de nossa compreensão, a respiração límpida e calma, o amor sublinhava na alma e ali brotava o primeiro beijo, o olhar fixo em teu olhar, olhos calados, palavras caladas, só o simples toque tornou o momento eterno, os lábios tocaram-se, amaram-se e eternizaram-se em nossas almas, sob céu estrelado, nos sons entrelaçados do ambiente que nos rodeava, até o mar parou para reverenciar aquele instante, dois amantes e tudo que já havia acontecido, despertando calmamente o libido... Impulsionando-nos ao desconhecido novamente, e eternizado foi aquele nosso instante... eterno e constante, até hoje.

Assim como os anos subitamente passaram, inesperada foi a sua partida, nem ao menos houve despedida, somente as lágrimas aconteceram, e uma pergunta que nunca responderam: - "Porque partiu?"; - “Pra onde foi?...” Tudo que eu conhecia se foi, naquele momento até o momento se foi, nada mais restava pra consolar a alma de um ser que já havia tocado a felicidade com as duas mãos, alguém que já havia se banhado no mar revolto da paixão, nada mais importava, tudo era parte de um passado, uma felicidade que morta estava... E ainda nada importa, tudo me lembra você, teu cheiro, teus olhos e principalmente o teu sorriso que nunca se apagou, nunca se apagará, nem nos mais escuros dos dias, nem com o frio cortante do inverno, sua imagem será eterna na minha alma, quero sentir de novo a calma, que só você me dava, seus beijos, suas carícias em meu cabelo, seus gestos carinhosos, nossos sonhos... Tudo se foi com você. Espero que essa carta, essas palavras sinceras cheguem ao seu destino, que ela chegue até suas mãos, que não se perca no vazio tão frio dessa imensidão, nessa cruel distância que nos separa, essa fiel fragrância que desde infância nos prepara pro amor e pra dor, mas nunca o suficiente.

Venha até aqui, vento sutil, que muitas às vezes foi hostil e nos castigou; venha até aqui, até minha janela singela, pegue essa minha carta e a leve às mãos de minha amada, mostre a ela como a sua ausência destrói a essência do amor que tanto demoramos pra construir, mostre a ela como é difícil seguir em frente, sem nosso amor envolvente... Mostre a ela o quanto a amei, o quanto ainda a amo, e o quanto ainda mais terei de amá-la sem tê-la aqui comigo... Em meu eterno amor me despeço agora, espero que por hora... Que seja breve nosso reencontro, que não permita minha partida, que não a deixe esquecida, nunca, nunca... Como nunca fiz antes...

Eternamente seu.

A. Pollandre, 29 de Setembro de 1977.

“O ser - humano precisa ser humano acima de tudo, e que nos torna humanos é o fato de podermos demonstrar nossa gratidão através do amor. O amor quando verdadeiro eleva o ser acima de qualquer diferença criada por nós mesmos. Mas o mais importante é que pra ser humano é preciso amar, mas principalmente ser amado verdadeiramente”.

Andrey Teixeira, 22 de Maio de 2007.

*Poema do escritor venezuelano, Eugenio Montejo ["La tierra giró para acercarnos"].