Montauk

Já faz tempo que não me visto de prosa, mas seja em poema, sussurro, grito ou melodia, todas as minhas sílabas serão tuas. Tuas, pois enviei toda a parcela de amor que me foi disponibilizado a um só destinatário. Fui sendo tua credora, e você me pagou sempre com o encanto da subjetividade. Fui sendo tua, e tua, me fiz. Milhares de versos remetidos e a promessa ambivalente de que a literatura não estragaria nossas melhores horas de amor. Somos hipérbole, pois dos paradoxos e antíteses eu já me cansei. Em utopia, sempre te traguei pra dentro do âmago como quem aproveita o último cigarro, mas eu me engasguei. Em realidade, continuo te tragando e te dissolvendo em saliva enquanto invades suavemente meu pulmão. Aprendi a fumar, agora eu não me engasgo mais. Quando você vira as costas não enxergo nenhuma publicidade reversa, como nas embalagens estampadas com pés atrofiados e previsões de impotência sexual. Você não vem com aviso prévio. Mas mesmo que o desastre fosse iminente, eu ainda assim te tragaria e te traria pra dentro de mim, como quem se alivia e não teme a morte. Não poderia ser de outra maneira, pois, é fato que suportei o tempo, a distância, o colapso entre o mundo sensível e o inteligível, e continuo viva. Continuo te mantendo vivo, também. Não tenho rotas alternativas. É na tua barba falha, nos teus braços sem veias saltadas, nos teus olhos que já devem estar gastos de tanto serem alvos pros meus versos, nas curvas que contornam teu sorriso, no teu canto desafinado, na tua rispidez, nas tuas exclamações diárias de que sou louca, e no teu abraço (seja ele desajeitado ou não), que eu firmei o meu Montauk. E Montauk nunca se desfaz.

Keuri Caroline
Enviado por Keuri Caroline em 19/11/2014
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