O muro

Quisera sair sem rumo e o fiz. Mas a verdade é que já estavam inconscientemente premeditados os lugares em que iria. Não haveria forma de dizer o que foi que me trouxe aqui, creio que a necessidade de não morrer. Talvez tenha sido somente a brisa primaveril, o odor das flores ou Salinger. Ou, quiçá, tudo junto. Ou mesmo nada.

Eu não mais sentia alegria através da simplicidade. Hoje, sozinha, sorri internamente mais do que o fiz no ano inteiro. Um mero casal brincando de luta me fez querer ser feliz. Foi bonito, singelo. Mas eis que, sim, sem rumo, caminhei por caminhos já conhecidos. Todavia outrora tal muro jamais seria capaz de ocupar meus pensamentos. Não o vi – senti-o. Tateei sua aspereza de supérflua pedra e senti o demasiado impacto daquela presença ali. Mas só senti, toquei. Sem analisar. Caminhei mais um pouco, deparei-me com diversas espécies de flores. Cogitei e cogito a criação de um álbum que retratasse meus momentos vividos pela sutil figura da flor. Um lugar, uma flor. Uma lembrança. Por que optar por fotos? Só mais uma foto. A flor estaria lá e sua presença remeteria ao momento. Peguei uma e retornei ao muro. Agora, sentada em um banco a sua frente, metaforizei sua existência com a minha. Ei-lo em pé. Sim, é inegável. Igualmente inegáveis os vãos entre o encontro das pedras. São pedras enormes que, uma a outra, unem-se. Mas há buracos, vazio. Cá estou em frente à minha própria imagem – diria até um espelho. Cheia de vazios, permaneço em pé. E hoje, muito mais forte. Limparam meu musgo.

Eu sou o muro, ele me é.

25/11/14