A PORTA

Há tempos, a porta do armário do quarto dava sinais de desgaste. Rangia, travava, recusava a chave e ameaçava cair. Ela, fingindo que estava tudo bem, não recorreu ao marceneiro, amigo que ofereceu serviço gratuito. Recolhia as roupas do varal, dobrava-as sem grandes cerimônias e entulhava-as pelas gavetas abarrotadas. Os cabides pediam clemência, tantas peças em desuso. Fechada a porta, nada era visto afinal. E assim, seguia nesse adiamento. Até que...

Ao tentar abrí-la, como num ato de revolta, a porta caiu pesada no seu pé direito. Um urro estridente e dolorido ecoou pelo quarto. Pela casa. Pela rua. Quase arrancou-lhe uma das unhas, a do dedão. Deixou no ar uma palavra que recuso pronunciar. Não por castidade.

Aliviada a dor primeira, colocou a bendita num canto e só então percebeu, de verdade, a desordem de dentro. Caos. Absurdo. Descuido. Desleixo.

Deu as costas a tudo aquilo e foi cuidar do dedo que sangrava. E muito. Enquanto isso, pensava em como seria olhar para aquele cenário sem disfarces pois o amigo não estaria disponível por um longo tempo e ela não dispunha de recursos para contratar um outro profissional. Cogitou em colocar uma cortina mas...Refletiu. Já era hora de por ordem em tudo aquilo de dentro. Livrar-se dos excessos. Reorganizar as gavetas. Dar o que não mais servia. Doar o que até ainda queria mas como apego a um passado que não mais valia. Para outros, sim.

E assim o fez. Com um tanto de dor, é certo, pois a pancada era muito recente. Mas, não fez-se refém. Antes assim. Há males que vem para o bem.

A PORTA - Lena Ferreira - dez.14