O mediador

O quê fizemos no ano que passou? Não, não me refiro a isso. Certamente, todos nós fizemos um monte de besteiras; também, coisas boas, certas. Além de muito trabalhar, claro.

Mas, estou falando do tempo, ele, por sua vasta amplitude não deve ser lido no varejo, nas minúcias do dia a dia. Higiene pessoal e varrer a casa são coisas básicas, que não convém apreciarmos com a lupa do tempo.

Mas, o quê fizemos com a graça dele, então? Em boa parte, nada; pairamos nas asas do ócio, para do alto melhor contemplarmos a planície da vida. Depois de uma visão panorâmica, retomamos as linhas verdes da esperança e seguimos bordando sonhos, devaneios, em seu alvo pano.

Ouvimos as doces declarações do silêncio, que, se fizeram amargas, nos enganaram... Aliás, quão facilmente nos enganamos com as palavras do silêncio! Quase sempre nos são favoráveis quando a realidade é adversa. Talvez, o silêncio nem tenha culpa; e sejamos nós a pintarmos nele a aquarela de nossos anseios, de coisas a fazer “antes de partir”.

Mas, se conseguimos nos abstrair um pouco ao egoísmo e plantamos uma flor, ao menos, no terreno duro de uma alma inóspita; se, fizemos algo, posto que, ínfimo, que serviu de inspiração a alguém; se, fomos fluxo para a virtude e barragem para o vício, malgrado o fracasso de nossos projetos, não passamos o ano em vão.

Daqui a pouco explodirão fogos mil, comes e bebes, mais bebes que comes; celebrando o final de mais uma etapa. Desconfio que a maioria não celebra nada; antes, aproveita o pretexto para tontear suas angústias, e dar asas novas ao corcel pujante da ilusão.

Muitos vestirão roupas novas, com cores escolhidas a propósito imaginando os frutos fáceis da sorte, em detrimento dos justos da semeadura. É mais fácil fazer oferendas ao mar, que à Terra; mas, essa, frutifica invariavelmente. As desilusões são colheitas também; de quem semeia ilusões, lógico. Planta uma e colhe dez. Desilusão.

Amiúde, não existe ano novo. Acaso consideramos nova, cada hora que o relógio anuncia? Igualmente o ano, nada muda, exceto, um número.

Nós podemos ser coautores do novo, de posse de bons exemplos, alvos certeiros, resoluções firmes. Claro que é mais fácil empurrar com a barriga esperando um golpe da sorte. Mas, é sábio arregaçar as mangas, e fazer acontecer o que nos convém.

Não usarei roupas novas, tampouco, explodirei fogos no Reveillon; não preciso datas agendadas para as melhorias que sei que necessito. Seguir bordando esperanças é inevitável; mas, há sementes separadas da terra, e eu sou o mediador escolhido para essa reconciliação...