O Absurdo Isolado

Fico tentando diminuir os danos,

Mas já passou um certo tempo,

E nessa manhã de primavera,

A velha bomba vai explodir.

Criamos novos universos para sustentar nossas fantasias.

Enterramos em abismos profundos os nossos sonhos.

Guardamos no fundo do armário velhas relíquias:

Uma cópia preservada de nós mesmo.

E mergulhamos profundo no labirinto das perdas,

Afinal o que resta de nós?

Permanecemos seguros em nossas conchas...

Preferindo aquilo que é conhecido,

Para não correr risco de nos tornarmos vulneráveis à falta de sorte.

Depois de muito tempo submersos,

Recobramos a memória.

Ávidos, voltamos à superfície,

Como quem galga um último suspiro,

Como quem busca no vermelho choroso dos olhos a melhora.

Uma boa dose de sobriedade,

É o que conseguimos.

E o passado se confunde com uma imagem onírica nebulosa,

Uma lembrança colhida da árvore da memória,

O gosto rançoso daquilo que costumávamos chamar de nós,

E nada mais.

Em terra firme recobramos a consciência,

Caminhamos apressados sobre os números das horas,

Recolhendo do chão os cacos afiados daquela substância insossa,

Que nos atrevemos a chamar de alma.

Uma lasca.

Pequeno corte na mão esquerda.

Jorra muito sangue.

A substância grosseira umedece a mão ansiosa,

Não somos mais os mesmos,

Visão do agora.

O gosto forte do whisky entre os dentes,

Os olhos perdidos viajando pela paisagem da memória,

Daquela mesma janela que ostenta há meses,

O passado impregnado na parede cinza,

Que briga com o céu todo grande lá fora.

Procuramos ermos a resposta para a dúvida,

Pensando haver uma solução para nossa jornada.

Assim, colhemos flores no deserto de nossas vontades,

Abraçamos o delírio de nossas perdas,

Nos deliciando com os rabiscos contornados,

Das páginas rasgadas de nossa fantasia ensaiada.

E a segurança nos bate à porta,

De um coração que sangra a certeza da memória.

Uma última lembrança me desperta.

Escondida num canto escuro do armário,

Permanece preservada a velha casca,

Para que depois do mergulho profundo em nossas fantasias,

Já secos e livres de toda essa lama,

Corrermos para o aconchego da velha roupa,

Que jaz, seca e acolhedora, nas profundezas de nossa memória,

A pele de nossa história.