O Vento e a Tempestade

E por fim soprava, soprava forte em minha face e meu corpo estremecia com aquela brisa gelada. Eu me sentia abraçado por algo que eu jamais tive a oportunidade de ver, por algo que ninguém jamais viu, mas todos já sentiram. Assim eu era açoitado por tamanha força que tinha a qualidade de ser branda ou ser furiosa. Trazia tempestades, mas também abrandava o calor insuportável. Era o vento, ele não tinha voz, mas o seu sopro falava ruindo aos meus ouvidos.

Sua vinda revoltava as águas, as ondas passavam a arrastar sem cuidado tudo que estava ao seu alcance e sob meus olhos eu via o mar virando-se em ressaca. Os barcos pequenos eram incapazes de velejar e os grandes eram obrigados a ir devagar. Contudo mesmo frente a sua fúria capaz de matar, vinham os cardumes para encher de vida o mar. Nadavam livremente e enchiam de manchas cinza vivas o mar antes sem cor.

E se azul antes fosse a água, o escuro passaria a fazer parte da sua mistura, pois do céu vinham nuvens carregadas de fúria. E do céu rasgavam os raios que com sua luz iluminavam o dia que a tempestade transformava em noite, a imponência dos relâmpagos azuis que desenhavam raízes no céu fascinava até mesmo o medroso e o estrondo da trovoada trazia o poderoso esbravejar de tambores que amedrontava até o mais corajoso.

O vento continuava soprando forte e a conexão somente aumentava, estranho é o fascínio que gera tal poder sobre nós, que mesmo reconhecendo a sua força e sua capacidade de destruir, mesmo sabendo de nossa pequeneza frente a isso, ainda vemos sua beleza e admiramos... Pelo menos eu faço.

E o vento continua soprando e com ele a tempestade se enfurece, a chuva vem forte e dá a água as árvores cuja raiz não alcança o leito d’água. E molha com sua água gelada todos os acostumados a banhos quentes, que se retraem, mas logo amam o frescor suave. Mas a tempestade também vem com ferocidade, enche de água as pedras erguidas que tomaram o espaço que não lhes cabia, extirparam a área daqueles que da tempestade são sobrinhos e do vento são primos, arrancaram o verde de seu lugar e aqueles animais que não respondem somente a uma espécie foram afugentados. E o vento sopra e derruba as construções. E a tempestade ataca com suas próprias pedras para anunciar a grandeza de sua parte componente sobre todos.

E o vento continua soprando e o mesmo vento que trouxe a fúria da tempestade desmedida, leva-a embora. E o corpo continua estremecendo com sua grandeza. Não fora por maldade a destruição, não fora por compaixão o fim dela. A destruição veio como lembrança, a lembrança do quão pequeno somos frente a toda grandiosidade desta natureza da qual fazemos parte e de seus elementos, do quão pequenos somos frente ao poder que ela pode utilizar, a destruição é a lembrança de que somos seus componentes e assim como a destruição vem por sua mão às outras espécies, vem por sua mão até nós. O fim vem por amor, o amor que se anuncia todos os dias, o amor que também nos relembra, nos relembra que não somos diferentes e por ela somos amados como todas as outras formas de vida.

Por fim o vento continua soprando, continuamos estremecendo. E soprando, o vento nos trás o temor, mas o temor não serve para o medo e sim para o respeito, a maior de todas as lições. E sempre que o vento soprar entre tempestades, nós o respeitaremos e respeitaremos a quem ele serve, pois nos lembraremos de tudo que ele pode trazer e de tudo que ele é capaz de levar.